Para os desembargadores, a pessoa tem direito de frequentar o banheiro conforme sua opção de gênero, ainda mais, como no caso dos autos, quando a "identificação da transgeneralidade" é manifesta.
Os transexuais têm direito a ser tratados socialmente de acordo com a sua identidade de gênero, inclusive na utilização de banheiros públicos. Violar esse direito significa violar os princípios constitucionais da honra e da dignidade humana, e dá direito a uma indenização por dano moral. O fundamento levou a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS) a confirmar, na íntegra, a sentença que condenou, em danos morais, uma casa de diversões, porque seus funcionários xingaram um travesti que usou o banheiro das mulheres. Pelo constrangimento e humilhação por que passou, a autora receberá a quantia de 8 mil reais.
Para os desembargadores, a pessoa tem direito de frequentar o banheiro conforme sua opção de gênero, ainda mais, como no caso dos autos, quando a "identificação da transgeneralidade" é manifesta. Segundo o acórdão, quando tal direito é desrespeitado, está configurada a discriminação, "que não deve e não pode mais ser aceita". O acórdão, que obteve entendimento unânime do colegiado, foi lavrado na sessão de 19 de abril. Na inicial, a autora informa que assumiu sua transexualidade aos 18 anos de idade e passou a usar o nome Roberta. Em março de 2013, ela e amigos foram a uma festa, mas, já na entrada, foi compelida a comprar o ingresso masculino, mais caro. A briga com os seguranças no lugar aconteceu depois que ela saiu do banheiro feminino. Ela e os amigos foram levados a um canto do estabelecimento e xingados pelos seguranças, sendo, depois, expulsos.
Em sua defesa no processo, a casa disse que forçou Roberta a comprar o ingresso masculino por causa do documento de identidade que apresentou, que ainda tinha seu nome de batismo. Na 1ª instância, a ação indenizatória foi julgada totalmente procedente. Para o juiz do 1º. Juizado da 2ª. Vara Cível da Comarca de São Leopoldo, Ivan Fernando de Medeiros Chaves, a narrativa da boate deixou patente que a autora teve sua honra violada e foi ofendida por ser transexual, o que feriu sua dignidade. Chaves citou o voto do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao se manifestar sobre a questão do tratamento aos transexuais no Recurso Extraordinário 845.779. Nesse caso, Barroso deixou claro que, em respeito ao princípio constitucional da dignidade e ao princípio democrático, devem ser respeitados os direitos dos transexuais de serem tratados pela forma com que se apresentam. Inclusive para usar banheiros públicos.
"O padrão cultural heterossexual e cisgênero impõe às orientações sexuais e identidades de gênero desviantes o rótulo de aberrações naturais ou perversões sociais, a serem curadas ou combatidas. As pessoas transexuais convivem, portanto, com o preconceito e a estigmatização. São, rotineiramente, encaradas como inferiores e têm seu valor intrínseco desrespeitado", escreveu Barroso.
Para o ministro, a Constituição e as leis devem ser interpretadas de modo a neutralizar essa situação e para assegurar o tratamento social adequado: "A negativa de tratamento socialmente adequado a um transexual afeta tanto (i) a pessoa transexual, reimprimindo nela o rótulo de não aceita, de doente ou depravada, com reforço ao profundo estigma social sofrido desde a sua primeira infância, quanto (ii) todo o grupo, ao contribuir para a perpetuação do preconceito e conduzir a outras formas desigualdades e injustiças, como discriminações graves no acesso aos serviços públicos de saúde, educação e segurança pública, e ao mercado de trabalho", conforme escreveu no voto.
No caso gaúcho, o juiz reafirmou que o direito dos transexuais de serem tratados conforme sua identidade social está amparado no artigo 1º, inciso III, da Constituição, que define o princípio da dignidade humana: "É um valor intrínseco ao ser humano, que corresponde ao direito à igualdade, como também por ser um direito fundamental à autonomia, correspondente ao ‘direito de ser como se é’ e, ainda, amparado no Princípio Constitucional Democrático, no aspecto concernente à proteção das minorias", escreveu na sentença.
O relator que desproveu a Apelação do clube no TJ/RS, desembargador Carlos Eduardo Richinitti, disse que o mundo está mudando, o que demanda novos comportamentos que favoreçam a inclusão e a aceitação das minorias: "A questão de gênero, está mostrando a ciência, não é opção, mas destino biológico. Só essa constatação mostra o quanto nós, enquanto sociedade, erramos até hoje, impondo sofrimento, humilhação, exclusão e marginalidade àqueles que não se identificam com o gênero que lhes foi imposto ao nascimento", expressou no acórdão.
Fonte: Conjur