18.05.07 |
Romance forense - A foto da “véia”
Vésperas do Dia das Mães do ano passado, os familiares de Dona Lulu quiseram homenageá-la de uma maneira diferente. Rebuscaram o álbum de fotos e encontraram uma em que ela aparecia bem vestida, tailleur preto elegante, gola rendada branca de origem suíça. E decidiram colocar na edição dominical, do principal jornal da cidade catarinense, uma foto da matriarca, junto a um texto simples, mas de inegável conteúdo amoroso.
A nora se encarregou de tudo: redação das frases, ida ao departamento comercial do jornal, pagamento do valor do anúncio etc.
Foi pedido à atendente que - da foto em que apareciam seis pessoas - fosse usada somente a imagem da idosa - justamente a genitora. Esta, naquele flagrante familiar, estava ao lado do marido (já falecido), dos filhos e netos e justamente da nora.
A atendente do jornal colocou uma observação, ao digitar o texto encaminhado ao setor gráfico do jornal: "colocar só a véia". Foi o embrião da gafe.
No domingo, na página intitulada Coluna Social, a veiculação foi uma simbiose da mensagem desejada, da foto da homenageada e de uma inoportuna observação no fecho do anúncio:"neste dia tão especial, queremos desejar-lhe toda a felicidade do mundo. Parabéns pelo seu aniversário que coincide, com felicidade para nós, com a data dedicada às mães. De seus netos, filhos e em especial de sua nora. Colocar só a véia".
A foto da idosa foi publicada em tamanho destacado.
Na cidade do norte catarinense, a inusitada homenagem à "véia" resultou em pândegas entre os leitores, desconforto dos familiares, estresse da nora e uma imediata reação à luz do Direito: o ingresso, já na segunda-feira, de uma ação judicial. Um ativo advogado rapidamente constatara que os assinantes receberam seus jornais normalmente e que os exemplares que estavam nas bancas esgotaram rapidamente. E apenas uns poucos - disponíveis em botecos da periferia - foram localizados a tempo de serem recolhidos, pelo dono do jornal, à sede da editora.
O juiz da comarca - de apegadas tradições alemãs - tratou de buscar a conciliação. Antes de mandar citar a empresa jornalística ré, usou de seu poder de autoridade local e convocou as partes a uma reunião, no dia seguinte, no seu gabinete, numa veemente tentativa de conciliar as partes e evitar mal maior na comunidade.
Depois de algumas conversações, as partes se acertaram. No domingo imediato, o jornal publicou destacada nota com objetivo título: "ERRAMOS!".
E, no meio do texto assinado pelo editor do jornal, uma explicação: "uma comunicação interna do jornal acabou sendo veiculada em nossa edição do último domingo, causando constrangimento não só à nossa equipe, mas principalmente à autora da homenagem que nada tem a ver com a ´gafe´ publicada. Portanto deixamos registradas nossas sinceras desculpas a toda família de Dona ... (segue-se o nome) pelo erro".
O processo já foi baixado no Foro e é, até hoje, conhecido como o folclórico "caso da véia".
Para o Dia das Mães deste ano - comemorado no domingo passado - os familiares não quiseram correr o risco de outra inovação e deram um presente bem tradicional: um jogo de toalhas de rosto e banho com as iniciais da homenageada bordadas. E um indefectível cartão: "com as homenagens de seus netos, filhos e em especial de sua nora".
Claro que sem foto da "véia".
Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759