02.07.07 | Eleitoral
Revista Veja diz que “empréstimo” de Roriz foi usado para subornar juízes eleitorais
O senador Joaquim Roriz, flagrado em uma conversa telefônica combinando a partilha de R$ 2,2 milhões, teria utilizado o dinheiro para subornar juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Brasília, que o livraram de cassação em 2006.
A denúncia está na edição da revista Veja que se encontra nas bancas. A revista diz que conversou com um político - que pediu para não ser identificado, e priva da intimidade do senador. Ele teria ouvido a confissão do pagamento da propina do próprio senador, e não de terceiros.
Ele contou à revista que, no começo de fevereiro passado, Joaquim Roriz recebeu seu suplente, o ex-deputado distrital Gim Argello, em sua casa. Conversaram sobre os boatos de que a decisão pró-Roriz do TRE-DF teria sido comprada.
O caso que livrou Roriz da cassação foi julgado em 23 de outubro, mas começou no dia 19 de setembro, quando o Ministério Público o acusou de uso político da máquina pública do governo do Distrito Federal. A vitória no processo teria custado pelo menos R$ 1,2 milhão, pagos com parte do dinheiro do empréstimo. Procurado pela revista, o suplente Gim Argello confirmou o encontro com Roriz, mas disse que não faria comentários a respeito de pagamento de propina.
Na versão oficial de Roriz, a sobra de 1,9 milhão não virou propina para ninguém. Foi devolvida ao empresário Nenê Constantino, que não esclareceu o que ele fez com o R$ 1,9 milhão. Na última quinta-feira, Roriz - chorando - foi á tribuna do Senado apresentar sua defesa.
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O dinheiro era para subornar - O senador Joaquim Roriz, flagrado em uma conversa telefônica combinando a partilha de 2,2 milhões de reais, finalmente subiu à tribuna para explicar-se na semana passada. Com um discurso pronunciado à semelhança de Odorico Paraguaçu, o inesquecível personagem de folhetim que encarnava o aspecto folclórico da política, Joaquim Roriz repetiu o que dissera antes – só que, da tribuna, adicionou algumas lágrimas e muita retórica. ´Quem em sua vida nunca pediu um empréstimo a um amigo?´, disse. ´Será que um senador não poderia pedir um empréstimo a um amigo de longa data?´, repetiu. ´Imaginem se pedir dinheiro emprestado é falta de decoro. Meu Deus! A que ponto chegamos?´
No discurso, Roriz disse que pediu 300.000 reais ao seu amigo e empresário Nenê Constantino, dono da Gol Linhas Aéreas, para pagar uma bezerra. Constantino entregou um cheque de 2,2 milhões, Roriz sacou o dinheiro, reteve 300.000 reais e devolveu o restante, 1,9 milhão, ao empresário. A novidade é que, se parte do dinheiro foi mesmo usada para pagar uma bezerra, outra parte teve destino explosivo – serviu para subornar juízes do Tribunal Regional Eleitoral que livraram Roriz de cassação em 2006.
Na semana passada, VEJA conversou com um político que priva da intimidade do senador e que ouviu a confissão do pagamento da propina do próprio senador – e não de terceiros. Ele conta que, no começo de fevereiro passado, Joaquim Roriz recebeu seu suplente, o ex-deputado distrital Gim Argello, em sua casa. Conversaram sobre os boatos de que a decisão pró-Roriz do TRE teria sido comprada.
A certa altura, travou-se o seguinte diálogo: Argello – ´O Agnelo (refere-se a Agnelo Queiroz, ex-ministro e candidato derrotado ao Senado) me disse que a decisão foi comprada. É isso mesmo?´
Roriz – ´É isso mesmo. Achei que o processo não ia dar em nada, mas tivemos de resolver. Tivemos de comprar dois´.
Conforme o relato do político que detalhou o assunto a VEJA sob a condição de manter-se anônimo, ´comprar dois´ significa subornar dois juízes do TRE. Na mesma conversa, Roriz lembrou ao interlocutor que o mandato de senador também lhe pertencia. ´O mandato também é seu, você precisa me ajudar´, apelou. ´Tem de levantar 1,2 milhão´, detalhou.
Roriz não explicou se 1,2 milhão de reais era o valor total da propina dos dois juízes ou se era a parte que faltava pagar. A solução não demorou a surgir. No dia 13 de março, conforme aparece no diálogo telefônico capturado pela polícia, Roriz descontou o cheque de 2,2 milhões de Nenê Constantino e, sabe-se agora, repassou pelo menos 1,2 milhão aos juízes subornados. Isso explica por que, na conversa grampeada, Roriz se recusa a receber o dinheiro em sua própria casa, num carro-forte, e explica que a partilha dos recursos envolve outras pessoas.
´O dinheiro é de muita gente´, diz ele. O caso que livrou Roriz da cassação foi julgado em 23 de outubro, mas começou no dia 19 de setembro, quando o Ministério Público o acusou de uso político da máquina pública do governo do Distrito Federal. Na época, Roriz deixara o cargo de governador para concorrer ao Senado, e a estatal de abastecimento de água, a Caesb, mudara em propagandas seu número de atendimento telefônico de 115 para 151 – número de Roriz nas urnas.
O placar do julgamento no TRE estava em 3 a 2 contra Roriz. Um juiz pediu vista e, dias depois, quando a sessão foi retomada, votou a favor de Roriz, cravando um empate em 3 a 3. Antes que o presidente do tribunal desse seu voto de Minerva, um dos juízes que votaram contra Roriz subitamente mudou de idéia. Com isso, Roriz livrou-se da cassação por 4 a 2. A virada no placar teria custado pelo menos 1,2 milhão de reais.
Procurado por VEJA, o suplente Gim Argello confirmou o encontro com Roriz, mas disse que não faria comentários a respeito de pagamento de propina. Na versão oficial de Roriz, a sobra de 1,9 milhão não virou propina para ninguém. Foi devolvida ao empresário Nenê Constantino.
VEJA perguntou ao empresário o que ele fez com o 1,9 milhão de reais, mas o empresário não respondeu. Roriz, por sua vez, alega que os 300 000 reais foram usados para pagar uma bezerra, de 271 000 reais, e a sobra de 29 000 reais foi emprestada a Benjamin Roriz, seu primo, que estava com problemas de saúde na família. O problema de Roriz é que a nota fiscal que supostamente comprova o pagamento de 271.000 pela bezerra está crivada de mistérios. A nota foi emitida no dia 1º de março, o bicho foi entregue no dia 3 e o pagamento foi feito apenas no dia 1. Por que alguém entrega a mercadoria e a nota antes de receber o dinheiro?
Além disso, a nota informa a venda de "04" animais, mas na versão de Roriz foi apenas uma bezerra. Mais: na nota consta o pagamento de 532.000 reais, mas Roriz diz que obteve um desconto de 50%. O vendedor confirma. ´Ele chorou muito e eu dei o desconto de 50%´, diz o pecuarista Márcio Serva. Mas fica a pergunta: por que o vendedor faz uma nota com um valor superior ao real? Para pagar mais imposto? Márcio Serva não soube explicar. Por fim, a nota fiscal distribuída à imprensa vem com um cabeçalho de fax em que se lê a data de 30 de maio de 2005. Com base nessas informações, deduz-se que nessa data a nota foi enviada da empresa de Roriz para algum outro lugar – o que sugere que a nota, apresentada como sendo de agora, é muito mais antiga. Isso é fraude.
Os assessores de Roriz dizem que o fax estava com defeito e informava data e hora incorretas. Apesar do acúmulo de inconsistências a respeito da nota fiscal, ainda assim não há evidência concreta de que o negócio de 271.000 reais não tenha sido feito. O que parece certo é que a parte do leão do dinheiro, o 1,9 milhão de reais restantes, não foi para as mãos do empresário Nenê Constantino, mas acabou azeitando o propinoduto de Roriz. Haverá mais lágrimas e mais retórica".
A Corregedoria Geral do Tribunal Superior Eleitoral já está investigando esta hipótese de suborno de dois juízes, devido a gravações que recebeu de conversações de um funcionário do tribunal, de nome Marcelo.
Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759