A conselheira federal e ex-presidente da OAB/RS, Cléa Carpi, será agraciada com a Medalha Rui Barbosa, a mais alta comenda da advocacia brasileira. A advogada gaúcha é a primeira mulher homenageada com a Medalha em 86 anos. Ela receberá a premiação na quinta-feira (30), durante XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, que ocorre entre os dias 27 e 30 de novembro, no Centro de Eventos Anhembi em São Paulo.
O presidente da OAB/RS, Ricardo Breier, ressalta: "muito nos orgulha que a primeira mulher a receber esta homenagem seja Cléa Carpi da Rocha, que atua há mais de 30 anos na área do Direito. Desde a sua juventude, na sua caminhada para um mundo justo e fraterno. Foi a primeira mulher a assumir a Presidência da OAB/Rio Grande do Sul e, por dois mandatos, atuou como Conselheira Federal, representando o nosso Estado", registrou.
Claudio Lamachia, presidente nacional da OAB, classificou como ‘justíssima’ a homenagem: “Cléa é uma advogada com a experiência de ter presidido uma seccional, decana do Conselho Pleno, ex-secretária-geral desta OAB no âmbito nacional. É dona de uma trajetória de imensurável colaboração com o avanço da advocacia, da justiça e do Estado Democrático de Direito. Prova disso, foi o apoio efusivo ao seu nome pela diretoria, pelo Colégio de Presidentes, pelas comissões, por todos”, apontou.
A indicação chegou ao Plenário com o apoio do Colégio de Presidentes e da Comissão Nacional da Mulher Advogada. Clea agradece a todos: “Agradeço à diretoria, às conselheiras, aos conselheiros, aos presidentes de seccionais na pessoa de Fernanda Marinela; às 27 presidentes das Comissões da Mulher Advogada. A vida é feita de escolhas, sempre. Mas a importância das escolhas está na fidelidade. Eu tenho como uma das fidelidades de minha alma a OAB, pela grandeza da defesa que faz da democracia, da cidadania e das liberdades. Essa dimensão humana, que o advogado tem quando defende a liberdade me fascina e me apaixona”, apontou.
Sobre Cléa Carpi
Foi a primeira mulher a assumir a Presidência da OAB/Rio Grande do Sul em 1989. A ex-presidente da Ordem gaúcha já foi agraciada com o Prêmio Bertha Lutz, concedido pelo Senado Federal, e integra a Associação Americana de Juristas (AAJ) e a Associação Internacional dos Juristas Democráticos (AIJD). Já participou de sessões da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em que foram debatidas as "piores" formas de trabalho infantil. Integrou, ainda, a delegação oficial brasileira na Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento, em 2004.
Cléa Carpi vem atuando como expositora em congressos e seminários nacionais e internacionais. Participou como observadora de conferências da Organização das Nações Unidas (ONU) em Beijing, Istambul e Cairo. Especializada em direitos humanos, atuou também na luta pelo Estado Democrático de Direito e no processo de redemocratização do Brasil nos movimentos Diretas Já e pela anistia.
A medalha
Em julho de 1957, o então presidente nacional da OAB, Nehemias Gueiros, apresentou uma indicação ao Conselho Federal para a instituição do Prêmio Medalha Rui Barbosa, com o intuito de homenagear advogados que prestaram serviços notáveis ao Direito e à advocacia.
Aprovado por unanimidade, uma comissão foi designada como responsável por elaborar o regulamento do prêmio. A comissão era composta pelos conselheiros José Maria Mac-Dowell da Costa, Oswaldo Murgel de Rezende, Mayr Cerqueira e Themístocles Ferreira. Devido a divergências quanto às normas, o prêmio foi impugnado pelo Conselho quatro anos depois.
Somente na sessão plenária de 26 de maio de 1970, o prêmio foi restaurado e efetivamente regulamentado, por indicação do conselheiro Carlos de Araújo Lima. Segundo o relator do processo, conselheiro Ivan Paixão França, o restabelecimento da medalha visava a dar o efetivo cumprimento ao artigo 18, inciso IV, do Estatuto. O primeiro agraciado foi o advogado Heráclito Fontoura Sobral Pinto, em 5 de novembro de 1971, data do seu aniversário e do aniversário de Rui Barbosa. Sobral foi o escolhido entre os indicados Levi Carneiro e Haroldo Valladão.
Leia a entrevista com a conselheira federal Cléa Anna Maria Carpi da Rocha, ganhadora da Medalha Ruy Barbosa:
O que inspira a senhora a participar da vida cotidiana da OAB há tanto tempo?
Cléa - Há tanto e belo tempo. Eu entendo que a vida é feita de escolhas. Sempre escolhas. E a importância das escolhas é a fidelidade. Eu creio que tenho em minha alma a fidelidade à OAB.
Mas por quê?
Porque a Ordem tem não só o veio institucional e corporativo, mas o veio público. A Ordem atua pela defesa da ordem jurídica, da Constituição, dos direitos humanos, da justiça social, do aprimoramento de todas as instituições.
Pode falar mais sobre o papel da OAB?
É um universo muito grande. É uma visão não corporativa, mas uma visão política institucional, visando também ao bem comum. Não só a defesa das prerrogativas, mas a defesa da justiça social, dos direitos humanos. Ela engloba, nesta visão ampla, esse caráter humano da advocacia, que me encanta e me fascina.
Isso foi o que atraiu a senhora para a advocacia e a OAB?
Atuei desde muito nova, na faculdade de direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Fui presidente do centro acadêmico, naquela época a primeira mulher. E depois também fui vice-presidente da União Estadual de estudantes. Tudo isso, essa luta, essa esperança e esses sonhos, estão inatos na minha caminhada. Eu encontrei na Ordem este belo caminho.
A senhora pode contar um pouco sobre sua trajetória na OAB?
Fui vice-presidente na gestão de Fernando Krieger da Fonseca, no Rio Grande do Sul. E depois fui eleita presidente. Posteriormente, fui eleita conselheira federal em dois períodos, na gestão do grande presidente Roberto Batochio e do destacado presidente Ernando Uchoa Lima. Também atuei como secretária-geral do presidente Cezar Britto. Mais tarde, com a gestão do atual presidente Claudio Lamachia, eu retornei ao Conselho Federal. Nesta gestão, me tornei a decana. É um título que muito me honra –não considero isso um pesadumbre, e sim, uma alegria.
Quais foram as lutas e os momentos mais marcantes dentro da OAB durante todo este período?
A Ordem está na gênese do estado constitucional brasileiro. Ela esteve na vanguarda das lutas cívicas: no processo da redemocratização, pela anistia, pelo fim da censura, pelo retorno do pluripartidarismo, e pelas Diretas Já. Esse movimento eu tenho no meu coração. Tenho isso presente na minha alma.
Como você se sente em relação ao prêmio da Medalha Rui Barbosa?
Profundamente honrada e feliz. Foi uma concessão feita pelo Conselho Federal da OAB, com apoio do Colégio de Presidentes das 27 seccionais. Também houve a indicação das grandes advogadas brasileiras, a partir da Comissão Nacional da Mulher Advogada, sob a presidência de Eduarda Mourão; da vice, Helena Delamonica e da secretária, Florany Mota. Meu nome surgiu durante a II Conferência Nacional da Mulher Advogada, realizada no ano passado, em Belo Horizonte, com a presença de duas mil advogadas. E elas estavam pleiteando que, no ano da mulher advogada, em 2016, uma advogada fosse indicada a receber o prêmio. Então eu partilho a minha medalha com todas as extraordinárias advogadas brasileiras. A essas mulheres que atuaram em todos os campos da vida nacional, inclusive da OAB.
A senhora acredita que esse seja um passo inicial para que outras mulheres advogadas sejam honradas com o prêmio e que tenham uma participação maior dentro da OAB e da advocacia brasileira?
Nós estamos a caminho desta inserção da mulher advogada. Temos excelentes, extraordinárias advogadas que, creio, com o passar do tempo, serão de novo agraciadas com a medalha. Estamos a caminho, mas, ao mesmo tempo, a situação é preocupante: estamos com 87 anos de existência da nossa OAB, e como se encontra a participação da mulher advogada nos núcleos de decisão da entidade? A radiografia é preocupante, sabe por quê? Porque, em todo esse largo período, apenas 10 advogadas foram eleitas e assumiram a presidência das seccionais da OAB. Na atual gestão, temos apenas Fernanda Marinela, de Alagoas, uma advogada e presidente altamente capaz. Na gestão anterior, não tivemos nenhuma. Na diretoria do Conselho Federal, tivemos apenas três mulheres em toda a história: a primeira, na gestão do presidente Ernando Uchoa Lima, Marina Lima de Magalhães, como secretária-adjunta. Depois, eu como secretária-geral, na gestão de Cezar Britto. E depois, a atual conselheira Márcia Melaré, que também foi secretária-adjunta, na gestão de Ophir Cavalcante Jr. E presentemente, como se encontra a advogada no Conselho Federal? Fomos eleitas nove titulares e doze suplentes.
Como a senhora avalia as conquistas recentes da mulher advogada?
Um caminho foi iniciado. Foi um começo, com a fixação já no pleito eleitoral de 2015, com a cota de 30% de gênero nas chapas. Claro que foi apenas um pequeno início. Depois, nós tivemos o Plano Nacional da Mulher Advogada também, que é excelente. Nele é reconhecido os direitos humanos da mulher advogada. É um termo, “direitos humanos”, que vem lá da Conferência Internacional de Direitos Humanos, das Nações Unidas, realizado em 93, em Viena. Onde foi reconhecido, pela primeira vez, um documento internacional das Nações Unidas, os direitos humanos da mulher e da menina como inalienáveis, integrantes dos direitos humanos universais. A caminhada é uma caminhada de todos, advogadas e advogados. Pablo Neruda disse uma frase que eu tenho sempre na minha visão de vida: “A luta é igual, para homens e mulheres, crentes e não crentes, é a luta para dar melhor efetividade e proteção à condição humana. Justa e igualitária para todos”.
Então é apenas o começo de um caminho sem volta?
É o começo, apenas o começo. Com todo o empenho das administrações da Ordem, com todas essas iniciativas que foram tomadas e mais essa conscientização política institucional da mulher advogada, como destinatária e autora do caminho da entidade. Não é destinatária só. Ela é agente também de transformação social, política e econômica, não só da Ordem, mas também para uma sociedade mais justa e igualitária. Estamos caminhando para isso, muito embora, veja só, nós estamos praticamente igual ao número dos inscritos homens, a diferença é mínima. É um número muito pequeno e creio que essa caminhada vai cada vez mais, vai se intensificar. Realmente estamos a caminho, e é um caminho muito belo para caminhar. É um caminho “caminante”, como eu chamo.
Qual a importância da medalha Rui Barbosa dentro da OAB, o que ela representa?
Essa medalha foi outorgada pela primeira vez a Sobral Pinto. De lá para cá, nomes de expressão no mundo jurídico, no mundo intelectual e no mundo da advocacia foram agraciados, como Paulo Roberto de Gouvêa Medina, Hermann Assis Baeta, Fábio Comparato e Paulo Bonavides, entre muitos outros. Eu me sinto profundamente honrada e sei da responsabilidade de, pela primeira vez, uma advogada receber essa medalha. Devo a elas, a todas essas extraordinárias advogadas brasileiras, pela sua inserção na sua luta, em defesa das prerrogativas, em defesa da cidadania.
O que a Medalha Rui Barbosa representa no mundo jurídico?
O patrono da medalha foi um grande jurista, foi o grande intelectual, foi o grande advogado, foi o grande homem político Rui Barbosa. Então, esta figura, que a Ordem homenageia com sua maior comenda, deve representar também para os agraciados este caminho de preservação das prerrogativas, preservação da cidadania, aprimoramento das instituições, postura ética num mundo tão difícil, tão tribulado. Eu creio que esta imagem do Rui Barbosa deve pairar sobre todos nós que vamos receber ou que já recebemos.
Com informações Conselho Federal da OAB
Fonte: OAB/RS