No Brasil, não faltam dados para mostrar a desigualdade racial entre pessoas brancas e negras. A população negra é a 75% mais assassinada; é a que ocupa somente 29,9% dos cargos gerenciais; é a que ocupa 45,3% dos postos de trabalho com menor remuneração; é a que mais está abaixo das linhas de pobreza; é a com maior taxa de analfabetismo, 9,1%. Esses são só alguns dos números que demonstram essa disparidade, que continua colocando a população negra brasileira em extrema desigualdade.
O período entre 2015 e 2024 foi proclamado pela ONU como a Década Internacional de Afrodescendentes (resolução 68/237), com o objetivo de reforçar a cooperação nacional, regional e internacional em relação ao íntegro aproveitamento dos direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos da população negra, bem como sua participação plena e igualitária em todos os aspectos da sociedade.
O tema da Década Internacional de Afrodescendentes é ‘reconhecimento, justiça e desenvolvimento’. Não é a toa que se faz necessário reconhecer as desigualdades que são frutos de anos de escravidão; assim como fazer valer o cumprimemto da justiça e a punição às violações dos Direitos Humanos; bem como efetivar a adoção de medidas que visem a garantir a ativa, livre e significativa participação no desenvolvimento e na tomada de decisões para que haja uma justa distribuição dos benefícios delas resultantes.
Se em tantas áreas e em nível mundial há desafios no enfrentamento do racismo, na advocacia não seria diferente. Por isso, a atual gestão da OAB, tanto na seccional do Rio Grande do Sul quanto no Conselho Federal, tem incorporado o debate e a inclusão do tema em sua agenda. Afinal, com desigualdade, não há democracia, e a defesa da democracia é uma das principais pautas da instituição.
“Queremos, cada dia mais, fortalecer o respeito à advocacia negra. Trabalhamos o tema em nossa seccional, pois sabemos que a pauta é essencial para a valorização da advocacia como um todo. Não podemos deixar que o silêncio em relação à essa estrutura histórica de opressão e desigualdade prevaleça na sociedade. É por isso que, junto das nossas comissões de Igualdade Racial e da Verdade sobre a Escravidão Negra, protagonizamos o tema, buscando debater e formular políticas públicas de mudança,”, disse o presidente da OAB/RS, Ricardo Breier.
Mapeamento da advocacia negra
A Comissão Especial de Igualdade Racial da OAB/RS tem movimentado, além de importantes debates sobre a advocacia negra em sua atuação, um mapeamento de ação. Segundo a presidente da CEIR, Karla Meura, o censo da Ordem gaúcha visa a traçar um perfil socioeconômico e ocupacional, trazendo variáveis como renda, gênero, geração, raça/cor e oportunidades profissionais para advogadas e advogados do Estado.
“As informações geradas a partir desse censo podem nos mostrar grupos sociais que possuem melhor colocação profissional e também aqueles que atuam de forma mais precária. Essas informações podem servir de base para a OAB elaborar políticas de gestão que minimizem desigualdades ocupacionais entre os diferentes grupos sociais que formam o corpo de advogados do Estado”, explicou a presidente da CEIR.
O mapeamento faz parte de uma demanda nacional e, segundo Meura, possibilita a identificação do perfil, de como se dá a inserção no mercado de trabalho e os indicadores de mobilidade ocupacional, cruzando assim as informações coletadas. “O censo dará visibilidade aos profissionais negros e negras, para que possamos conhecer não somente o dados quantitativos, mas também qualitativos aos quais os profissionais são submetidos”, disse a presidente da CEIR.
Para Meura, além de mapear as ocorrências de racismo, se faz necessário proporcionar qualificação técnica sobre as relações raciais aos funcionários e serventuários do sistema de Justiça. "É fundamental que as instituições que atendem à advocacia empreendam esforços no sentido de definir estratégias e sistemas contra as desigualdades impostas pelo racismo. Uma vez estabelecidas, as ações de combate ao racismo institucional devem ter continuidade. As políticas institucionais precisam garantir a igualdade de oportunidades e de direitos para toda a advocacia, especialmente para as mulheres negras", destacou.
Dificuldades da advocacia negra
Entre as dificuldade sofridas pela advocacia negra, Meura destaca aquelas relativas às oportunidades e condições de trabalho; ao baixo índice de contratação como advogado e advogada em escritórios; às dificuldades de fazer um curso de pós-graduação e às relações dos profissionais negros e das profissionais negras com os órgãos do sistema de Justiça. “A sub representatividade nos espaços institucionais coloca a advocacia negra numa situação de vulnerabilidade. Isto reflete também nos profissionais negros e nas profissionais negras que pretendem fazer carreira na Magistratura ou no Ministério Público”, destacou.
No recorte de raça e gênero, a mulher negra, dentro da advocacia, enfrenta dificuldades diferentes. Afinal, se parte da sociedade ainda acha estranho ou considera menor uma mulher em cargos importantes, a situação piora quando se é uma mulher negra. A presidente da CEIR destaca a necessidade de capacitar as pessoas para 'compreender, aceitar e tratar' a diversidade de gênero, de raça e de etnia. "É necessário respeitar a dignidade da advocacia negra. Enfrentamos diversas situações de racismo, individual e coletivo, principalmente no exercício da advocacia criminal, espaço em que a mulher negra é estigmatizada como ré ou esposa do réu. Ainda há muito preconceito e espanto por parte de alguns servidores, sobretudo seguranças dos Fóruns, ao ver mulheres negras ocupando cargos historicamente destinados a pessoas brancas", destacou Meura.
Autodeclaração de cor e raça já é requisito na inscrição da OAB
Desde agosto de 2020, a autodeclaração de cor e raça já é obrigatória para a inscrição da Ordem. A proposta foi feita pela Comissão Nacional de Promoção da Igualdade (CNPI) e tem como objetivo obter informações e realizar uma gestão eficiente dos dados para organizar e planejar ações inclusivas e de promoção da igualdade, e ainda combater o racismo contra as advogadas e os advogados negros.
Segundo a presidente da CNPI, Silvia Cerqueira, a autodeclaração foi uma pauta que surgiu através da advocacia negra do Brasil. “Queremos saber qual o nosso contingente no país, quais as regiões de menor e maior concentração desses juristas e, a partir dessa constatação numérica, promover ações afirmativas com vistas a incluir e estabelecer a equidade racial no seio do sistema da OAB em todas as esferas seja nacional, seja seccional, seja subseccional”, explicou.
Silvia acrescentou, ainda, que está em análise, na diretoria do Conselho Federal, uma campanha nacional com a proposta de realização de um recadastramento nacional para que todos os advogados e todas as advogadas que queiram autodeclarar-se possam assim fazê-lo.
Fonte: OAB/RS