O juiz elucidou que é necessário demandar providências urgentes ao Ministério Público de Goiânia (MP/GO), à Corregedoria Permanente dos Cartórios, às prefeituras, aos gestores de cemitérios, aos agentes funerários para viabilizar ajustamento de um TAC para cessar o problema. Outra medida proposta pelo magistrado é a criação de uma declaração de óbito para ser preenchida pelo responsável pelo cadáver, para justificar eventual impossibilidade de ir ao cartório.
Está o juiz analisando um processo por porte de drogas quando, ao ouvir testemunhas, toma conhecimento da morte do réu. A situação indignou o julgador de tal maneira que este foi além da sentença de extinção de punibilidade. O juiz do 1ºJECRIM de Anápolis/GO, Mateus Milhomem de Sousa, aproveitou a oportunidade para propor uma série de sugestões de melhoria e pedido de providências, “pois a Justiça necessita melhorar suas condições de trabalho para que possa auxiliar no progresso da Nação”. O magistrado, assim, justifica a propositura: Estes autos ilustram como as deficiências da lei e a omissão da própria população tem gerado um alto custo social, e como este quadro pode ser melhorado com vontade política.
No caso, que ensejou a sentença propositiva, o homem respondia por esse e outros processos criminais, mas foi vítima de homicídio em dezembro de 2015. Sua família, entretanto, realizou o sepultamento munida, apenas, de declaração de óbito do hospital. Os processos continuaram a tramitar normalmente e, apenas quando o juiz ouviu testemunhas, soube da morte do acusado. O juiz de direito pediu a certidão de óbito aos cartórios da comarca, mas nenhum havia emitido o documento. Houve, então, diligências em busca dos familiares de M., mas ninguém foi encontrado. O falecimento só foi confirmado após ouvir a instituição de saúde na qual o acusado morreu, bem como o médico responsável pelo atendimento.
Segundo o magistrado, situação como essa é recorrente e tem causado problemas à Administração Pública. “A falta de certidão de óbito prejudica o arquivamento dos processos, lesa o erário, posterga o processo de inventário administrativo ou judicial, deixa bens fora do comércio, atrapalha as estatísticas e controles sociais e, até mesmo, políticas públicas. Sem falar que os familiares, no futuro, podem precisar do documento e vão travar a Justiça na sua falta ou impossibilidade imediata de consegui-lo. ”
A permissão para que enterros sejam realizados sem a certidão é prevista no artigo 78 da lei 6.015/73, mas apenas em circunstâncias excepcionais que existiam no passado, como ausência de cartorários próximos, inexistência de plantão nos fins de semana e feriados, dificuldade de as pessoas não tão próximas conseguirem os documentos de identificação civil do falecido. “Esta exceção foi criada para evitar a putrefação ao ar livre ou de forma indigna ao ser humano, tanto no viés social quanto no de saúde pública. Nada disso ocorre atualmente em Anápolis e região. ”
O juiz elucidou que é necessário demandar providências urgentes ao Ministério Público de Goiânia (MP/GO), à Corregedoria Permanente dos Cartórios, às prefeituras, aos gestores de cemitérios, aos agentes funerários para viabilizar ajustamento de um TAC para cessar o problema. Outra medida proposta pelo magistrado é a criação de uma declaração de óbito para ser preenchida pelo responsável pelo cadáver, para justificar eventual impossibilidade de ir ao cartório. “Assim, a declaração terá vários efeitos extremamente úteis, como blindar o gestor do cemitério e fixar responsabilidade na pessoa que apresenta a declaração de óbito, além de servir como orientador social e estimular o registro antes do sepultamento, já que, raramente, haverá qualquer motivo relevante para tanto, pois em nossa comarca serão viabilizados todos os plantões necessários e convênios com a Prefeitura e agências funerárias para agilizar, desburocratizar e facilitar o acesso aos cartórios.”
O objetivo, frisado pelo juiz, é o de fazer com que as obrigações legais sejam, de fato, obedecidas. “Neste projeto, nem mesmo o desconhecimento da lei poderá ser alegado, pois haverá campo de recebimento e esclarecimentos nas declarações de nascimento e óbito, melhorando o nível de conhecimento da população. (…) São evoluções que reputamos importantíssimas e serão um motor de evolução social, poupando a justiça de um enorme retrabalho, e fazendo com que o Brasil, finalmente, possa atingir um patamar social melhor. ”
Também fazem parte da sugestão do magistrado a alteração do CP para a criminalização da conduta de não proceder os registros civis obrigatórios no prazo legal ou, pelo menos, a criação das necessárias multas a serem aplicadas de forma desburocratizada (pelo próprio oficial) e em quantias (não valores simbólicos). “É sabido que uma obrigação deve ser seguida de uma consequência, sob pena de descrédito e inutilidade. ”
Para dar ciência às proposições, Mateus Milhomem pediu que seja comunicado o teor da sentença ao diretor do Foro e demais juízes criminais da comarca, à Corregedoria Nacional de Justiça, ao MP/GO, à Associação dos Magistrados do Estado de Goiás, à Associação dos Magistrados do Brasil, e a outras autoridades.
Processo: 201500293550
Fonte: Migalhas