Uma empresa fabricante de eletrônicos, que vende produto defeituoso ou com vício de fabricação, tem a obrigação de restituir o consumidor lesado. Este é o entendimento de sentença proferida pelo 3º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo de São Luís, resultado de uma ação de reparação por danos morais movida por uma mulher contra uma empresa de tecnologia. No final, a empresa requerida foi condenada, na obrigação de fazer, a providenciar a substituição do produto por outro da mesma categoria ou de qualidade superior, em perfeitas condições de uso, bem como a indenizar a consumidora, a título de dano moral, no valor de um mil e quinhentos reais.
Narra a autora que, em 13 de novembro de 2018, adquiriu um notebook novo, através do site do Mercado Livre, pelo valor de R$ 4.579,00. Segue relatando que, no dia 1º de maio de 2020, tentou inicializar o notebook, mas ele não ligou mais e parou de funcionar. Alega que tentou solucionar o problema através das formas recomendadas pelo site de suporte da fabricante, não obtendo êxito. Aduz que tentou entrar em contato com a assistência técnica autorizada pela fabricante logo que ocorreu o problema, entretanto só conseguiu deixar o aparelho para análise no dia 26 de maio, após inúmeras tentativas.
Ela afirma que foi constatado que o notebook apresentava falha na sua “placa lógica” e foi feito um orçamento para o conserto e substituição da placa, no valor de R$ 2.375,00. Por não saber a causa do problema, decidiu não pagar pelo conserto. Continuando, diz que entrou em contato com a fabricante por telefone, e a atendente do suporte técnico informou que ela teria a opção de pagar pelo conserto do produto ou levá-lo para análise em uma das principais lojas da fabricante no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Ela alegou que o diagnóstico produzido pela assistência técnica autorizada foi incompleto, uma vez que não informou a real causa do problema apresentado, que ela entende se tratar de um defeito de fabricação, já que o notebook estava em perfeito estado e parou de funcionar repentinamente.
Diante disso, requeriu a troca do notebook por outro do mesmo modelo com as mesmas especificações ou de qualidade superior ao que foi adquirido. A requerida, em contestação, afirmou que o notebook foi adquirido em novembro de 2018, e o defeito reclamado foi constatado em maio de 2020, ou seja, 01 (um) ano e 06 (seis) meses após a compra, fora do prazo da garantia legal, que é de 90 (noventa) dias, que é de 12 (doze) meses. Alegou, ainda, que não se pode imputar à fabricante a responsabilidade pelo conserto gratuito ou pela devolução do preço de aquisição do produto e entende não ser verdadeiro que um vício oculto de fabricação só venha a se manifestar após quase dois anos da aquisição do bem, fato que bem indica que o vício na placa do computador tem outra origem, que não o processo fabril do produto.
Vício oculto
“No mérito, após análise do processo, verifica-se que o ponto central da demanda se resume em saber se a fabricante do produto pode ser responsabilizada pelo vício no notebook adquirido pela demandante, e se houve conduta por parte da requerida capaz de causar danos morais a ela (...) Neste caso, embora o vício apresentado no produto da autora tenha ocorrido após o prazo de garantia fornecido pelo fabricante, o Código de Defesa do Consumidor adotou, na matéria de vício oculto, o critério da vida útil do bem e não o critério da garantia, de sorte a tornar possível que o fornecedor se responsabilize pelo vício por período que vá além da garantia contratual. Tal critério possui forte apoio na doutrina, e por si só é suficiente para tutelar os interesses do consumidor, garantindo a prevenção e reparação de danos patrimoniais durante todo o período de vida útil do produto”, fundamenta a sentença.
E segue: “Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o fornecedor não está, eternamente, responsável pelos produtos colocados em circulação, mas a sua responsabilidade não se limita, pura e simplesmente, ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Dessa forma, o fornecedor responde por vício oculto de produto durável decorrente da própria fabricação e não do desgaste natural gerado pela fruição ordinária, desde que haja reclamação dentro do prazo decadencial de 90 (noventa) dias após evidenciado o defeito, ainda que o vício se manifeste somente após o término do prazo de garantia contratual, devendo ser observado, como limite temporal para o surgimento do defeito, o critério de vida útil do bem”.
Para a Justiça, demonstrada a existência de vício oculto no bem adquirido, ainda no curso do razoável período de vida útil do bem, interessante seria o reconhecimento da responsabilidade objetiva, cabendo ao consumidor o direito à substituição do produto por outro do mesmo tipo, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço, nos termos do que expressamente dispõe artigo do CDC. “No caso dos autos, considerando que o produto adquirido pela consumidora é bem durável e de valor considerável, não é razoável que em menos de 1 (um) ano e 6 (seis) meses – prazo em que o vício surgiu no computador da autora – tenha deixado de funcionar, sendo necessária a troca de peça em valor que representa quase 50% (cinquenta por cento) do valor pago pelo bem”, observou.
“Ademais, não há nos autos qualquer prova produzida pela fabricante do produto que comprove que o vício encontrado tenha sido causado por mau uso da consumidora. Cumpre assinalar que a hipótese se insere como nítido vício oculto do produto, cuja reparação não se deu a seu tempo, na forma do CDC, sendo mister, em casos que tais, o acolhimento de uma das alternativas previstas em seus incisos, dentre as quais, tal como desejado pela autora, a substituição do produto por outro da mesma categoria, em perfeitas condições de uso (...) O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços”, finaliza a sentença, frisando que a conduta por parte da demandada gerou um constrangimento, pelo qual se entende caracterizado o dano moral.
Fonte: TJMA