Uma operadora de plano de saúde terá que disponibilizar tratamento multidisciplinar a uma criança com autismo. A decisão foi proferida pela juíza Uda Roberta Doederlein Schwartz, da 1ª Vara Cível da comarca de Esteio (RS), e atende ao pedido liminar dos representantes legais do menino, determinando que a empresa ofereça o serviço sem cobrança de coparticipação, no prazo máximo de 5 dias, sob pena de multa diária de R$ 500.
"A fim de restabelecer a equidade contratual, imperioso que a interpretação das cláusulas do contrato de plano de saúde em questão seja da maneira que mais favoreça à criança, restabelecendo, dessa forma, o necessário equilíbrio, sob pena de perdurar a flagrante desigualdade entre as partes. Não cabe à operadora do plano de saúde limitar os tratamentos prescritos pelo médico assistente do paciente, ainda que indiretamente (isto é, por meio da imposição de taxas excessivamente onerosas à sua família)", considerou a magistrada.
Cabe recurso da decisão.
Caso
O menino de 2 anos de idade apresenta dificuldade sensitiva e sensorial, necessitando de atendimento multidisciplinar. Possui plano de saúde, porém, aponta que a operadora exige a cobrança da taxa de coparticipação para a realização das terapias multiprofissionais prescritas pelo médico, impossibilitando a realização de todos os procedimentos em virtude do alto custo. O autor da ação pediu, em tutela de urgência, que seja determinado que a ré forneça os tratamentos de que necessita sem a cobrança da coparticipação.
Decisão
Ao analisar o pedido, a magistrada destacou princípios constitucionais que regem a matéria, como a prioridade absoluta conferida a crianças, adolescentes e jovens, a defesa do consumidor quanto a uma existência digna, tendo a justiça social como uma das bases da ordem econômica (CF, art. 170) e também lembrou o chamado "Abril Azul", mês de conscientização sobre o autismo.
De acordo a julgadora, a questão envolve três esferas de proteção: consumidor, infância e saúde/deficiência. Ela citou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei n° 12.764/2012 (que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista) e a Lei n° 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). "Veja-se que o pagamento da coparticipação em valores elevados para os responsáveis pela criança pode, ao fim e ao cabo, inviabilizar as condições para que ela exerça plenamente o seu direito à saúde", avaliou.
Além disso, considerou a relação contratual regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Destacou que, no caso, o diagnóstico do autismo foi posterior ao início da relação contratual entre as partes. "Frise-se que o artigo 6º, inciso V, do CDC, declara que é direito básico do consumidor a revisão das cláusulas contratuais que, em razão de fatos supervenientes, as tornem excessivamente onerosas, previsão legal que encontra perfeita aplicabilidade ao caso ora em exame". E que, conforme a Resolução Normativa n° 539/2022, a partir de 1° de julho de 2022, "torna-se obrigatória a cobertura acerca do tratamento prescrito pelo médico assistente aos portadores do transtorno do espectro autista - CID F84, respeitando a ampliação assistencial aos usuários de planos de saúde privados".
Fonte: TJRS