O Conselho Federal da OAB prestará homenagem aos 180 anos de funcionamento dos primeiros cursos de Direito do Brasil. A cerimônia será realizada às 19h de hoje (06) no auditório do edifício sede da OAB, em Brasília.
A cerimônia contará com a presença de autoridades ligadas à Justiça, e também, com representantes das faculdades de Direito do Largo de São Francisco (São Paulo) e de Olinda (Pernambuco) – que foram os primeiros cursos jurídicos brasileiros.
Leia, a seguir, interessante artigo do advogado Cláudio Lembo.
As raízes das mil e cem escolas
Por Cláudio Lembo,
advogado e professor universitário.
O melhor da festa é esperar por ela, ensina a sabedoria popular. Há estudiosos convictos. Essa sabedoria é expressão da existência de um Direito Natural, aquele que antecede à própria existência das pessoas.
É bom, pois, utilizá-la e não perder ocasiões oportunas para tanto.
Vamos à festa. Exatamente no dia 11 de agosto, comemoram-se 180 anos da implantação dos Cursos Jurídicos no Brasil. Duas foram as primeiras escolas, uma no Sul e outra no Norte.
Assim, se concebia a divisão geopolítica do país, naquele distante 1827. Não existia referência ao oeste, nordeste, sudeste e centro oeste. Esta catalogação geográfica só surgiria, no cotidiano, no século XX.
A data, aqui recordada, tem significação especial. Os cursos jurídicos foram instalados após longa discussão na Assembléia Geral Constituinte e na Assembléia Geral Legislativa, em seguida ao abrupto encerramento dos trabalhos constituintes por Pedro I.
Demonstraram os parlamentares, nos debates, o objetivo de implantar escolas para plasmar personalidades capazes de operar o Império. Deveriam adquirir visão nacional e romper os limites mentais e costumes originários da antiga metrópole.
Duas foram as cidades escolhidas, dentro do critério geográfico estabelecido: no sul, São Paulo, e, no norte, Olinda. Os beneditinos e os franciscanos, ordens religiosas católicas, viram-se despojados de seus conventos.
Os primeiros, após 27 anos de ocupação, obtiveram o retorno do imóvel cedido. Os franciscanos esperam até hoje a devolução do velho convento do Largo de São Francisco.
O silêncio dos claustros conheceu o ruído dos jovens, a partir de 1828. Forte era a discrepância entre a fisionomia das duas cidades escolhidas. Em Olinda, a aristocracia rural e a exuberância de seus hábitos. Na São Paulo, uma singeleza de vida, uma pobreza de meios e a rudez dos tropeiros.
Pernambuco conhecera revoluções e forte pregação liberal e republicana. Estas conceberam heróis e clima de revolta contra a Coroa portuguesa e o regime monárquico.
São Paulo, pacata, esgotada pelo episódio das bandeiras, conhecia uma gente gentil e áspera, a um só tempo. Após a saga da expansão das fronteiras nacionais, dormitava, entre rios e igrejas, nas alturas do planalto.
Estas diferenças se apresentam no desenvolvimento das duas escolas. Mais rapidamente se consolida o corpo docente em Olinda, com mais demora em São Paulo.
A inteligência do legislador do Século XIX, ao implantar os cursos de Direito, é captada de pronto. A par da construção do Império, queriam a preservação da unidade nacional.
Essa foi conquistada de maneira surpreendente. Muitos alunos cursaram ambas as escolas.
Transmitiram valores e conhecimentos de regiões díspares do Brasil. Procederam os estudantes de Direito a união dos múltiplos brasis.
Rui Barbosa inicia seu curso em Olinda. Termina em São Paulo. Fagundes Varela e Álvares de Azevedo conhecem ambas escolas. Castro Alves elabora sua poética em Pernambuco. Profere seu grito de liberdade no sul. Joaquim Nabuco cursa a Academia paulista.
O Brasil incipiente encontrou-se nos bancos das academias de Direito. Criaram-se afeições e se desfizeram prevenções. Nelas ensinou-se a cultuar o Direito e a liberdade. Exercitaram o dever de formar caracteres.
Tudo isto produziu efeito singular. No entorno das academias de Direito, concebeu-se uma imprensa de combate e de defesa de idéias, onde a militância política se exercitou.
Esta imprensa quase desapareceu. Os custos altos ou a fadiga das mentes levaram a uma passividade alarmante. A atividade política foi substituída pelas "baladas". A consciência cívica pelo consumismo.
Os acadêmicos de São Paulo e de Pernambuco mostraram-se sempre combativos, afirmativos. Afrontavam ortodoxias e rompiam costumes assentados. Não se curvavam.
Quando em estado de revolta, os estudantes eram recebidos no Palácio do Governo. Aconteceu em 1854. Os acadêmicos entram em choque com o policiamento. Nascimento Silva, presidente da Província de São Paulo, de maneira paterna aconselhou os acadêmicos. Foi ovacionado.
Eram outros os costumes. Mas, as mil e cem faculdades de Direito espalhadas, hoje, por todo o Brasil permanecem com idêntico ideário das duas primeiras escolas: ensinar o Direito, preservar a liberdade e agir com civismo, sem esquecer as soluções de continuidade de natureza
hobbesianas.
Vale refletir sobre a importância do centésimo octogésimo aniversário da instalação dos cursos Jurídicos. Foram fonte de brasilidade e escola de civismo. Neles falou-se muito, talvez aprendeu-se pouco.
Sempre restou a seiva de nativismo e crença no Brasil.
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(O articulista foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador).
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