A falta de atenção na hora de registrar o pagamento de um boleto de inscrição para um concurso de banco deixou uma candidata de fora da seleção. Por conta desse erro, um banco foi condenado por danos morais, e a autora da ação não realizou a prova. Os desembargadores que integram a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS) confirmaram a condenação, mas reduziram o valor, por considerar que a candidata deveria ter conferido o documento bancário recebido.
A autora pretendia se inscrever no concurso público para o banco, para o cargo de escriturário, em 2015. Ela contou ter feito um saque de 77 reais e 80 centavos em sua conta corrente, em uma casa lotérica conveniada ao banco, para efetuar o pagamento da inscrição. Mais de um mês depois do ocorrido, soube que a inscrição não havia sido homologada. Após troca de e-mails com a banca realizadora do concurso, ela percebeu que o comprovante era de saque e não de pagamento do boleto. O pai dela foi até a casa lotérica, e a funcionária teria admitido o equívoco, ao deixar de pagar o boleto da taxa de inscrição. Não havia mais prazo para a interposição de recursos, e a autora não realizou a prova. A funcionária devolveu o valor da inscrição.
Na ação, foi anexada a gravação de uma conversa com a funcionária da lotérica em que ela diz que "esse erro nunca havia acontecido, que não sabia por que esqueceu de autenticar o código de barras do boleto e que grampeou o recibo do saque no 'automático'". Em 1ª, o juiz de direito da 3ª Vara Cível do Foro da comarca de Carazinho, André Dal Soglio Coelho, condenou o banco a pagar 8 mil reais por danos morais à autora da ação. O banco recorreu da decisão, alegando que não pode ser responsabilizado pelo erro da funcionária da lotérica, que teria esquecido de pagar o boleto. Segundo a defesa do banco, não se tratou de um problema no sistema ou na compensação/repasse do valor. Referiu ainda que cabia à autora ter comprovado o pagamento do boleto e que, sem este pagamento, não haveria falha na prestação de serviço que pudesse resultar na sua responsabilização. Mencionou que o áudio não merecia ser considerado pelo juízo, por ter sido produzido pela própria parte autora, sem identificar os interlocutores.
O desembargador relator do apelo no Tribunal de Justiça, Eugênio Facchini Neto, rejeitou a preliminar de ilegitimidade passiva da ré. Para o magistrado, "ainda que o erro tenha sido praticado por funcionária da lotérica, o réu, o banco, faz parte da cadeia do fornecimento do serviço, porquanto responde de maneira solidária". Quanto ao mérito, o Desembargador afirmou que não procede o argumento de que a autora não comprovou o pagamento do boleto e que, sem este pagamento, não há falha na prestação de serviço. “É evidente que a autora não teria como comprovar o pagamento, visto que a falha na prestação do serviço é exatamente a falta do pagamento”, ponderou.
Quanto à gravação de áudio não ser considerada pelo juízo, o magistrado ressaltou que o conteúdo da gravação apenas reforçou a narrativa inicial, no sentido de que a atendente da lotérica teria, por descuido, esquecido de realizar o pagamento. "Tal fato é, inclusive, a base de fundamentação da ré: de que o erro foi praticado por funcionária da lotérica e não sua. Assim, não há que se falar em desconsideração da gravação acostada aos autos."
Quanto ao dano moral, ficou claro para o Desembargador que a legítima expectativa da autora foi frustrada por não poder realizar o concurso para o qual estava estudando. Porém, considerou inequívoca a concorrência da autora para o ocorrido, pois seria fácil a verificação de que o comprovante era relativo a saque, conforme expressamente descrito na parte superior do mesmo. Inclusive, o valor de 77 reais e 80 centavos não corresponde ao valor da inscrição, de 67 reais e 80 centavos. "Ao não agir com diligência mínima que era esperada concorreu para a ocorrência do dano", analisou. Portanto, decidiu reduzir o valor da indenização para 4 mil reais.
Os desembargadores Tasso Caubi Soares Delabary e Carlos Eduardo Richinitti acompanharam o voto do relator.
Proc. nº 70076706241
Fonte: TJRS