De acordo com o magistrado, restou configurada a conduta ilícita da empresa. "Ilícita, repito, porque baseada em interpretação burocrática contrária à Resolução da ANAC, contrária às normas do Estatuto da Pessoa com Deficiência e contrário, ainda, à Convenção de Nova Iorque, incorporada como direito fundamental na forma do art. 5 § 3º da Constituição".
Uma companhia aérea foi condenada ao pagamento de 15 mil reais, a título de danos morais, para passageiro com deficiência impedido de embarcar sozinho em voo. No entendimento do juiz da 3ª Vara Cível da Comarca de Carazinho, Luís Clóvis Machado da Rocha Junior, faltou preparo, zelo e cuidado com os direitos fundamentais dos passageiros com necessidade de assistência especial (PNAE).
De acordo com o magistrado, restou configurada a conduta ilícita da empresa. "Ilícita, repito, porque baseada em interpretação burocrática contrária à Resolução da ANAC, contrária às normas do Estatuto da Pessoa com Deficiência e contrário, ainda, à Convenção de Nova Iorque, incorporada como direito fundamental na forma do art. 5 § 3º da Constituição". A empresa também terá que reembolsar o passageiro, em R$ 605,09, por danos materiais, equivalentes às passagens aéreas. Os valores devem ser acrescidos de juros e correção monetária.
O autor da ação relatou que comprou as passagens aéreas em agosto de 2016, para visitar seu pai que estava doente. Os dois não se viam há 10 anos. O voo sairia de Passo Fundo com destino a São Paulo. A compra foi efetuada através de site, por meio de cartão de crédito. Devido a um acidente, quando tinha cinco anos de idade, ele sofreu traumatismo craniano, não conseguindo ser alfabetizado.
No dia do embarque, ao chegar ao aeroporto, funcionários da Avianca perguntaram-lhe 'se sabia ler' e informaram que ele não poderia embarcar sem acompanhante, sendo que não teria ninguém à disposição para tal. O passageiro argumenta que, além de ter sido impedido de viajar, no dia 16 de dezembro de 2016, não foi reembolsado pelo valor pago pelas passagens e que somente no dia 19 de dezembro de 2016, após já ter perdido o voo, fora informado de que deveria preencher um formulário para análise do departamento médico para que pudesse embarcar. Asseverou que, embora tenha entrado em contato com a parte ré para ser ressarcido do valor pago pelas passagens, não obteve êxito na devolução do valor pago.
A empresa defendeu não ter cometido ato ilícito, sendo a culpa exclusiva do autor, uma vez que não preencheu e não enviou à companhia aérea a documentação necessária para autorizar embarque de pessoa maior de idade que deveria viajar com acompanhante. Reputou ser ônus do passageiro se informar acerca da documentação necessária para embarque. Que o autor da ação não informou que possuía condição especial. E que o não embarque no dia 16/12/2016 se deve ao autor não ter atentado para o fato de que deveria ter preenchido e apresentado o formulário à companhia aérea com 72 horas de antecedência em relação ao horário do voo.
O juiz, Luís Clóvis Machado da Rocha Junior, afastou a culpa do passageiro, caracterizando a responsabilidade do transportador aéreo: "Nunca é demais lembrar, ao portador de deficiência deve-se assegurar, com prioridade, condições de igualdade de oportunidades e eliminação de todos de obstáculos e barreiras", afirmou. O magistrado citou, primeiramente, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), explicando que, "tratando-se de relação de consumo, a responsabilidade civil do fornecedor é objetiva, ou seja, prescinde da prova e da análise da culpa do réu, sendo suficiente para configuração do dever de reparar, a demonstração do ato ilícito e da relação de causalidade entre esse e o dano".
Referiu também o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), que assegura "condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania". Sendo a atitude da companhia no sentido de impedir "a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas".
E, finalmente, destacou que a Convenção de Nova Iorque, destinada à proteção de pessoas com deficiência, goza, no Brasil, de hierarquia constitucional, como direito fundamental, pois incorporada na forma do art. 5º § 3º da Constituição, devendo iluminar a interpretação da legislação infraconstitucional. Desse modo, citando a Resolução nº 280/2013, da Agência Nacional de Avião Civil (ANAC), afirmou que: "É assegurado ao PNAE a assistência especial a que tenha direito (...) independente do canal de comercialização da passagem, demonstrando ser evidente o caráter de facilitação do transporte aéreo à pessoa com deficiência, sendo inadmissível, por qualquer meio, limitar seu acesso e restringir seu direito".
"Ora, era seu o dever (da companhia), no momento da contratação, questionar a parte autora sobre a necessidade de acompanhamento, independentemente da compra ter sido realizada pela internet. E mesmo que assim não o fosse, ao constatar a situação in loco, antes do embarque, bem poderia promover a inclusão e a viagem do autor, ainda mais quando ele goza de relativa autonomia, como apontaram as testemunhas", destacou o julgador.
Processo nº 009/1.17.0003908-5
Fonte: TJRS