Nos deparamos, diariamente, com falhas históricas, culturais e estruturais que inviabilizam a garantia e o cumprimento de muitos Direitos Fundamentais dispostos no artigo 5º de nossa Constituição Federal. Por isso, precisamos de novas perspectivas para que equações sejam repensadas e reorganizadas.
Embora, em um primeiro plano, o essencial seja rever legislações ou regulamentações, a virada de chave pode sequer alcançar as páginas da Constituição. Aqui, falamos do vírus, que não só mudou toda a estrutura da sociedade, mas também colocou em evidência a aceleração dos processos tecnológicos. E, claro, o Poder Judiciário não ficou para trás. Os avanços nos investimentos para o uso das tecnologias nos sistemas judiciais foram exponenciais, mas tal avanço tecnológico, no Judiciário, não pode ser traduzido automaticamente em acesso à Justiça. A globalização e o avanço tecnológico não são premissas suficientes para garantir aquilo que prega o artigo 5º.
Portanto, a tecnologia não é a resposta imediata para a falta de acesso à Justiça. A equação não possui uma fórmula pronta para que possamos resolver isso de imediato. Quantas pessoas têm acesso a um computador? Quantas pessoas têm acesso à internet? Na advocacia, recebi incontáveis mensagens de colegas, afirmando que não poderiam seguir trabalhando por falta de acesso a essas ferramentas.
Agora, mantemos o tema circunscrito ao acesso à Justiça como expressão de acesso ao Poder Judiciário, sem avaliar o valor superior que a premissa garante ao ser humano e à sua vida consagrada em sociedade, mas restringindo o raciocínio a um questionamento: quem garante o Direito Constitucional de acesso ao Poder Judiciário quando o Poder Judiciário, por si só, está impedido de acessar os próprios sistemas?
Eis mais um vírus que reforça a irrefutável fragilidade de nossas certezas. Quem pode está trabalhando em casa, protegido do risco de contágio, mas, uma atualização de tela, um clique no mouse, uma mudança de aba, o metafórico estalar de dedos, e, pronto, não há mais ambiente de trabalho digital. No momento em que precisamos peticionar no processo eletrônico, e vamos ao site do referido Tribunal, não há mais sequer acesso ao portal. Os dados de milhões de cidadãos podem estar em jogo. Pessoas que queriam efetivar sua vida democrática não conseguem acessar à Justiça.
Ataques hacker já fizeram outras vítimas nos sistemas de Justiça. Outros alvos foram alcançados, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em novembro de 2020, e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), no início deste ano. Ataques como esses também já atingiram o Departamento de Justiça dos EUA no ano passado, e, ainda, o serviço de saúde da Irlanda, afetaram operações da Toshiba na Europa, a Universidade de Stanford e empresas privadas que optaram por pagar resgate para evitar exposição midiática. Nenhum sistema que esteja na rede mundial de computadores está imune, e sabemos que, em nível nacional, a violação que acometeu o Poder Judiciário não será a última. E, com a Lei Geral de Proteção de Dados em vigor, a tendência é de que as ameaças aumentem.
Precisamos contar com políticas públicas e privadas que tracem estratégias plurais de proteção de nossa vida digital. Posso afirmar, hoje, que proteger a segurança do ciberespaço é somar esforços para a garantia do Direito Constitucional de Acesso à Justiça.
O arquivo que corrompe o sistema pode se infiltrar pela distração humana ao clicar “naquele link” que não deveria ser clicado. Por isso, digo que a transformação exige o comprometimento de todos: governo, sociedade, empresas de tecnologia, academia e outras. Só assim poderemos criar mecanismos e soluções tecnológicas para que o acesso à Justiça não seja inviabilizado por um ataque ou um vírus. Afinal, já estamos todos saturados de vírus.
Por fim, a lição que tiramos desses eventos é a da certeza de que a tecnologia não basta para potencializar o alcance da Justiça. Além das diferenças socioeconômicas, precisamos entender que apenas a partir da análise de soluções disruptivas, da força de trabalho qualificada e dedicada, da infraestrutura e das políticas públicas de cibersegurança poderemos garantir o que versa o artigo 5º. É tarefa de todos nós.
Fonte: OAB/RS