Confira o artigo do presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, publicado na edição desta terça-feira no jornal O Globo. Nele, o dirigente aborda a falta de referências positivas na política brasileira.
Mau exemplo - Claudio Lamachia - Presidente nacional da OAB
A despeito do importante trabalho de investigação em curso, responsável por colocar luz sobre os meandros obscuros da política, existe uma percepção generalizada de que predomina no país o desgoverno. Essa sensação é reforçada a cada novo episódio de tensão entre as autoridades e instituições da República e a cada novo escândalo de corrupção. O cenário é preocupante. Quanto mais descrente da classe política fica a população, mais espaço ganham as falsas, perigosas e indesejáveis soluções.
Em meio à mais grave crise política e ética vivida pelo país desde a redemocratização, é válido questionar a escassez de bons exemplos entre os ocupantes das altas esferas de poder. Esse vácuo agrava a crise, perpetua um temerário estado de ressentimento social, dificulta a busca por soluções e ajuda a difundir, ainda mais, os efeitos deseducativos da corrupção.
Um contraexemplo singelo, mas forte em conteúdo simbólico, pôde ser visto em vídeo viralizado recentemente pela internet. Um bando de assaltantes usa referências da política atual enquanto assalta um cofre, levando maços e maços de dinheiro. Orgulhosos, eles se comparam ao ex- ministro Geddel Vieira Lima. Citam o presidente Michel Temer, o ex- presidente Lula e o deputado Jair Bolsonaro. Eis a situação: setores da política, fundamentais para o funcionamento das instituições, figuram como inspiração manifesta de feitos deste calibre.
Essa carência de boas referências é sintoma de um problema maior: parte substancial da classe política resolveu apostar tudo o que lhe resta em sua própria sobrevivência, dando as costas para a construção de consensos e de pactos que permitam saídas conjuntas, moderadas e razoáveis. Prova disso são as distorções no já tímido alcance da reforma política em andamento. Quem imaginaria que o projeto serviria de subterfúgio para a aprovação de um fundo público indecente para financiamento de campanhas?
A grande lição precipitada pela crise é que o "salve- se quem puder" resulta na piora da situação de todos. É hora de mudar de atitude e de promover o bem comum como forma de garantir o bem individual de todos.
A Ordem dos Advogados do Brasil, maior entidade civil do país, com mais de um milhão de inscritos, diz não ao desvio. Pediu a cassação de Eduardo Cunha, o impeachment de Dilma Rousseff e o de Michel Temer. Não existe lado quando o assunto é a aplicação da lei. O impedimento de Temer, infelizmente, continua engavetado pela Câmara dos Deputados, que dá outro péssimo exemplo. O mesmo faz o Conselho de Ética do Senado ao não abrir o procedimento capaz de dizer se as acusações contra o senador Aécio Neves são ou não procedentes.
A guinada para o bom exemplo não é fácil e depende de um esforço coletivo intenso. A sociedade civil deve estar comprometida com o respeito à Constituição e com o dever cívico da escolha criteriosa dos candidatos na próxima eleição. O preço do voto errado, como temos visto, é muito alto.
Fonte: OAB/RS