12.08.08 | Diversos
Acusado de furto terá que procurar emprego
O que esperar de alguém que passou a infância e adolescência lançado à sorte, esquecido pelo Estado? De certo, que se torne um bandido. O que pode mudar o futuro desse indivíduo é a forma como será aplicada a Justiça. Se jogado em uma penitenciária, talvez a ressocialização seja a última coisa que acontecerá. A esperança é que alguém mais humanista o olhe com compaixão e mude o destino desse jovem. A reflexão é feita pelo juiz Gerivaldo Neiva, de Conceição de Coité (BA). O alguém lançado à sorte a quem ele se refere é B.S.S., de 21 anos, surdo e mudo.
Mudinho, como é conhecido na cidade, era acusado de tentativa de furto. Foi condenado pelo juiz Neiva a prestar serviços à comunidade, a pedir emprego, freqüentar a escola e não roubar mais.
"Nenhuma sã consciência pode afirmar que a solução para B.S.S. seja a penitenciária. Sendo como ela é, a penitenciária vai oferecer a B.S.S. tudo o que lhe foi negado na vida: escola, acompanhamento especial, afeto e compreensão? Não. Com certeza, não. É o juiz entre a cruz e a espada. De um lado, a consciência, a fé cristã, a compreensão do mundo, a utopia da Justiça.Do outro lado, a lei. Neste caso, prefiro a Justiça", sentenciou Neiva.
A sentença, chamada pelo juiz de "A Crônica de um Crime Anunciado", contou que Mudinho, quando criança, era sempre convidado para estar na casa das pessoas. Com o passar do tempo, ele usou da confiança para praticar pequenos furtos. Aprendeu até a abrir carros para dormir em seus bancos. O Ministério Público ofereceu dezenas de Representações contra Mudinho, quando ainda era menor de idade, pela prática de atos infracionais. Sensibilizado, um promotor de Justiça quase adotou o menino, mas não teve mais condições de cuidar do jovem.
A Justiça de Coité chegou a encaminhar Mudinho para os mais diferentes órgãos e instituições de educação, ameaçando, inclusive, prender os diretores de escolas que não aceitavam o garoto. Com tanta rejeição, Mudinho acabou virando bandido.
O primeiro crime cometido por ele, como maior de idade, foi o de furto qualificado. Ele foi condenado à pena de dois anos e quatro meses de reclusão, mas, por falta de estabelecimento prisional adequado, cumpria pena em regime aberto.
Um dia, entrou em uma marmoraria e foi preso em flagrante. Foi, então, denunciado novamente pelo crime de furto qualificado, cuja pena é de dois a oito anos de reclusão. O crime foi tentado, não consumado. Quando interrogado, disse, por intermédio da mãe, que "toma remédio controlado e bebeu cachaça oferecida por amigos; que ficou completamente desnorteado e então pulou o muro e entrou no estabelecimento da vítima quando foi surpreendido e preso pela Polícia".
Na ânsia de resolver o problema da criminalidade com prisão, o Ministério Público pediu a condenação de Mudinho pela prática de crime de furto qualificado pela escalada — qualificação esta inexistente no Código Penal. Neiva decidiu que Mudinho merece a condenação, mas não a prisão. Para ele, o comportamento do jovem é reflexo do descuidado da sociedade. "A comunidade não fez nada por ele. O município não fez nada por ele. O Estado brasileiro não fez nada por ele", afirmou o juiz na sentença.
Segundo o juiz, Mudinho só cometeu crimes contra o "patrimônio dos membros de uma comunidade que não cuidou dele". E o fez porque não tem escolaridade, profissão, apoio da comunidade e da família presente. "Prefiro a Justiça à lei", escreveu Neiva. "Assim, B.S.S., apesar da lei, não vou lhe mandar para a penitenciária. Também não vou lhe absolver. Vou lhe mandar prestar um serviço à comunidade", concluiu.
O juiz mandou o jovem ir, pessoalmente, em companhia de oficial de Justiça e da mãe, entregar cópia da decisão, colhendo o "recebido", a todos os órgãos públicos da cidade de Coité; a todas as igrejas, de todas as confissões; ao delegado de Polícia, ao comandante da Polícia Militar e ao presidente do Conselho de Segurança; a todos os órgãos de imprensa "e a quem mais você quiser". "Aproveite e peça a eles um emprego, uma vaga na escola para adultos e um acompanhamento especial. Depois, apresente ao juiz a comprovação do cumprimento de sua pena e não roubes mais". (Proc. nº 1863657-4/2008).
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Fonte: Conjur
Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759