A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ) deu provimento ao recurso ordinário de um motorista e reconheceu o vínculo empregatício entre ele e uma empresa de transporte por aplicativo. Por unanimidade, o Colegiado acompanhou o entendimento do relator, desembargador Mário Sérgio M. Pinheiro, entendendo estarem presentes os requisitos para a configuração do vínculo empregatício. Entre eles, a relação de subordinação algorítmica, uma nova espécie de caracterização do liame trabalhista.
O motorista requereu o reconhecimento do vínculo empregatício com a empresa alegando que prestou os serviços com pessoalidade, onerosidade, habitualidade, continuidade e de forma subordinada. Ademais, disse que a empresa determinava todas as condições para a execução da atividade, controlava o serviço prestado e estabelecia o preço da tarifa.
Mesmo sendo regularmente citada, a empresa não contestou e reclamação trabalhista, sendo considerada revel. No 1º grau, os pedidos do motorista foram julgados improcedentes a partir do entendimento de que não foram configurados os requisitos legais para o reconhecimento do vínculo empregatício. Para a magistrada que julgou o processo, a relação entre as partes era pautada por regras que não se confundem com os requisitos da relação de emprego, uma vez que havia ampla flexibilidade na escolha dos períodos nos quais o motorista desejava trabalhar. Inconformado, o trabalhador interpôs recurso ordinário.
No 2º grau, o desembargador Mário Sérgio M. Pinheiro assumiu a relatoria do caso. Após o encaminhamento dos autos para inclusão em pauta de julgamento, as partes apresentaram petição conjunta de acordo. Entretanto, a 1ª Turma não o homologou tendo em vista que a homologação da petição conjunta nos termos dispostos pelas partes, sem o reconhecimento do vínculo empregatício, obstaria o motorista a conhecer o posicionamento da Turma quanto ao seu pedido de vínculo. “Para que a Jurisprudência se consolide, com exame do mérito da lide, deixo de homologar a proposta de acordo, sem prejuízo de que as partes, após a publicação do Acórdão, entabulem qualquer acordo que atenda a seus interesses”, concluiu o magistrado.
Quanto ao mérito, o relator destacou que, além de as alegações do autor serem presumidas verdadeiras frente à revelia da empresa, a análise dos elementos fáticos também conduzem para a existência do vínculo de emprego.
O relator observou que a transformação da realidade social trouxe a expansão do conceito e do alcance da subordinação com a criação de novas espécies, tais como a subordinação reticular e integrativa, que representam a ideia da "rede de relações" e a subordinação algorítmica. De acordo com o desembargador, a inteligência artificial que é utilizada pelas plataformas para buscar mais competitividade não só aproxima a relação entre as empresas, os prestadores de serviços e os usuários, mas também “coordena trabalhos, estabelece o preço do serviço e fiscaliza e pune os que descumprem o modelo de negócio”.
Assim, o relator concluiu pela impossibilidade de não se reconhecer o vínculo de emprego entre as partes uma vez que plataforma digital não é apenas uma ferramenta eletrônica à disposição dos interessados, sem qualquer interferência no resultado do transporte fornecido. “Pelo contrário, a plataforma controla os preços do serviço de transporte a ser prestado pelo motorista, destinando apenas um percentual ao trabalhador; condicionam a permanência do motorista às avaliações feitas pelos usuários; estabelece o número mínimo de corridas a ser realizado, existindo, inclusive, punições”, assinalou ele, em seu voto.
Outros requisitos
Além da subordinação, o relator destacou ainda outros requisitos que configurariam a relação de emprego, como a pessoalidade. Segundo ele, o motorista não podia se fazer substituir por outro trabalhador, uma vez que “a violação da regra do uso pessoal, exclusivo e intransferível, sujeita o motorista ao cancelamento do cadastro”.
A onerosidade também foi constatada. Para o relator, o fato de haver a inequívoca expectativa de pagamento ao final de cada corrida configura o requisito. Destacou, ainda, que a política de preços é estabelecida unilateralmente pelo sistema de algoritmo da ré, que determina o preço das tarifas de acordo com a demanda dos usuários.
Também se configurou a não eventualidade. “A atividade desempenhada pelo motorista parceiro jamais poderá ser tida como eventual, fortuita, episódica, porque indispensável à própria razão de ser da plataforma digital – que, conforme destacado, busca a exploração econômica da atividade de transporte privado”, concluiu.
Assim, com a verificação da a presença de todos os elementos da relação de emprego, houve o reconhecimento da formação de vínculo entre o motorista e a empresa.
Nas decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, são admissíveis os recursos enumerados no art. 893 da CLT.
PROCESSO nº 0100268-02.2020.5.01.0263
Fonte: TRT1