Por Carlos Alberto Etcheverry,
Desembargador, integrante da 13ª Câmara Cível do TJRS.
Uma vez mais, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) abriu o "saco de bondades" que mantém à disposição dos magistrados brasileiros: financiou o transporte de ministros do TST e 44 juízes trabalhistas e sua hospedagem no Hotel Serhs, o mais luxuoso de Natal (RN), onde se realizou, de 28 de abril a 1º de maio, o "14º Ciclo de Estudos de Direito do Trabalho".
O pacote inclui - suprema bondade! - também o transporte e hospedagem de familiares, como informa a Folha de São Paulo. (1)
Em entrevista, o ministro Milton de Moura França, vice-presidente do TST, afirmou não existir problema em magistrados trabalhistas comparecerem a evento financiado por setor econômico dos mais interessados nas decisões proferidas pela justiça trabalhista: "os médicos vão a congressos patrocinados por grandes laboratórios, mas nem por isso eu acredito que o meu médico vá me receitar um remédio que não seja compatível com o que eu preciso, só para agradar um laboratório."
Mais interessante - digamos assim - foi a explicação que deu para achar razoável o financiamento do transporte e da estada de familiares dos juízes: "minha mulher não veio por uma série de circunstâncias, mas, se o colega trouxe, não vejo mal, até para evitar maledicências, porque muitas pessoas, às vezes, pensam erradamente que um congresso desses pode ter um sentido menos nobre."
É declaração, a primeiramente referida, de uma profunda inocência, que em muito diminuiria se o seu autor acompanhasse o noticiário sobre os problemas decorrentes do relacionamento dos laboratórios farmacêuticos com a classe médica, graves ao ponto de, por exemplo, vários centros médicos de universidades americanas terem restringido as interações com a indústria da saúde, diante da crescente constatação de que elas influenciam, freqüentemente, a prescrição de remédios.
E trata-se de uma inocência que se mostra ainda mais inconveniente no atual momento histórico. O povo brasileiro, já chocado com as investigações que aparentemente implicam magistrados na prática de venda de decisões, certamente apreciaria que os integrantes do Poder Judiciário, além de serem, em sua imensa maioria, de fato imparciais, também o sejam do ponto de vista das aparências.
E não é esta a impressão que deram os magistrados participantes desse evento, ao menos a julgar pelo que foi divulgado pela imprensa. Afinal, não só receberam auxílio financeiramente significativo de entidade privada, como aceitaram participar de um ciclo de estudos cujo objetivo era tratar de temas complexos do interesse de toda a sociedade, como alegou o presidente da Febraban,(2) mas para o qual não foram convidados e tratados de igual forma os representantes dos trabalhadores.
A sociedade brasileira, com inteira razão, não suporta mais comportamentos desta natureza.
Se suportasse, acabaria por condescender com a concessão de benefícios patrimoniais de outra ordem, como, por exemplo, empréstimos a juros negativos, financiamentos imobiliários com taxas muito menores do que as cobradas dos cidadãos comuns e, até, com a caracterização da venda de decisões judiciais por preço irrisório como "crime de bagatela"...
(*) E.mail: [email protected]
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(1) http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc3004200719.htm
(2) http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc3004200720.htm