Por João Moreno Pomar,
advogado (OAB/RS nº 7.497).
Intercorrências processuais não é expressão fadada ao rol das pérolas verborrágicas, mas termo cada vez mais integrado ao cotidiano dos operadores do direito, principalmente se vingar a proposta de sua inserção no texto do art. 178 do Código de Processo Civil.
A expressão intercorrência - ocorrência de permeio ou que sobrevém – é comum na nomenclatura médica para designar o fenômeno que faz a moléstia primitiva tomar outro curso, e utilizada com menor freqüência na comunicação jurídica. Há, por sinal, uma formulação literária (século XIX) de uma “Lei da Intercorrência” para explicar corrupções lexicográficas que não obedeceriam às leis da transmutação das letras e de outras conhecidas na filologia, mas, por evidente, não é lei da seara jurídica.
No meio jurídico o uso da expressão é mais freqüente quando se trata da prescrição intercorrente que se dá pela ocorrência da inércia subseqüente ao exercício do direito de ação, instituto que pela construção doutrinária e jurisprudencial integra o sistema processual.
Na defesa de proposta de ementa constitucional para admitir a tecnologia da informática na tomada virtual de depoimentos, o deputado Eduardo Cunha argumenta que no contexto do art. 185 do CPP a expressão comparecer perante a autoridade judiciária não exige a presença física, e que “comparece aos autos ou ato do processo quem se dá por ciente da intercorrência processual”, ainda que por meio de procurador ou escrita.
Aliás, igual raciocínio pode-se desenvolver em torno do parágrafo único do art. 214 do CPC quando se refere que o “comparecimento espontâneo do réu supre” a falta de citação.
Mas, as considerações acima só vêm ao caso para ilustrar o uso daqueles termos, pois o que interessa, de fundo, neste artigo, é o projeto legislativo que se propõe a resolver antigo anseio de grande parte dos advogados - o recesso uniforme do Judiciário - e que acabou, nos últimos anos, tomando rumo inesperado em conseqüência da nova redação do inciso II do art. 93 da CF, editada pela Emenda nº 45, e a aplicação que lhe deram o CNJ e o STF (ADI 3823).
Pois bem, a Advocacia gaúcha, encontrou apoio no deputadp Mendes Ribeiro para promover a alteração do art. 175 do CPC e do art. 62, inciso I da LOJF e incluir entre os feriados forenses o período de 20 de dezembro a 6 de janeiro, através do PL nº 6.645, de 2006, agora PLC n° 6, de 2007. Houve empenho do presidente da OAB/RS, Cláudio Lamachia, para acelerar a tramitação legislativa, e o projeto encontra-se na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, com relatório e voto do senador Pedro Simon, aguardando pauta, desde o dia 17 de abril, como consta no saite daquela Casa Legislativa.
O voto do senador é favorável ao projeto do deputado, mas apresenta substitutivo para que simplesmente se acrescente parágrafo único ao vigente art. 175 do CPC estabelecendo que “ficam suspensos todos os prazos, audiências e quaisquer outras intercorrências processuais nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 6 de janeiro.”
Igual providência é proposta em relação à LOJF. O propósito, depreende-se da fundamentação do voto, é preservar a intermitência do serviço público judiciário consagrado naquele preceito constitucional. E, constato, é sonante com as moções do Conselho Federal da OAB ao CNJ.
O texto proposto, entretanto, se aprovado com tal redação, evidentemente ensejará algum esforço de hermenêutica, por conta da nomenclatura destacada no intróito deste comentário. No entanto, desde já, defendendo a idéia de que no conceito de “quaisquer outras intercorrências processuais” inclui-se qualquer tipo de intimação ao advogado, esgrimo a tese do espírito da lei que é atender ao reclamo dos advogados em não serem alvo de atos processuais naquele período que o senador reconhece ser de “notória transição, descanso e festividades”; e a exegese do novo parágrafo que sob o caput do artigo reformado se encontra num conjunto de dispositivos que regulam os feriados, para efeito forense (arts. 173 a 175) e o tempo dos atos processuais (Seção I, Cap. II, Título V do CPC). O mesmo quanto à LOJF.
A mim parece que a teoria “dos males, o menor” não se aplica somente para consolo na circunstância de um fato consumado, mas, também, preventivamente, para evitar o pior. Assim, não tenho dúvida que o texto substitutivo – que generaliza as intercorrências processuais – é produto da sensibilidade do experiente senador Pedro Simon diante do destino adverso que poderia ter a proposta original.
Agora, o que se espera, é que a tramitação do PLC nº 6/2007 continue célere, como foi seu trâmite na CCJC do Senado - cerca de dois meses na Comissão, dentre os quais apenas 20 dias com o Relator.
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