Por Maurício Corrêa,
ex-presidente do STF e advogado.
O STJ foi criado pela Constituição Federal de 1988. Sua instituição precedeu a longa discussão nos meios jurídicos do país - notadamente na então Comissão Afonso Arinos - e, a seguir, como não poderia deixar de ser, na própria Assembléia Nacional Constituinte. Veio substituir o antigo Tribunal Federal de Recursos, que teve parte de suas competências distribuídas entre os atuais tribunais regionais federais e o próprio STJ.
Entre tais competências, destaca-se a reservada ao julgamento das questões que envolvem interpretação de normas infraconstitucionais. Buscou-se, com isso, aliviar o STF do exame de matérias não constitucionais, passando ao STJ algumas de suas competências originárias e instituindo-se o recurso especial.
Apesar da excelência dos propósitos, nem o STF ficou livre do excesso de processos, que já à época crescia progressivamente, nem o STJ conseguiu se livrar do estrondoso volume de feitos que, a cada dia, abarrotam seus escaninhos. De qualquer sorte, a criação do STJ foi uma das maiores conquistas do Poder Judiciário nos últimos tempos. Se seus 33 ministros se afogam num mar interminável de processos, nem por isso se pode dizer que não correspondeu às expectativas de sua criação. Superou-as até. Com o que não se contava é que chegasse tão cedo ao esgotamento de sua capacidade.
Os advogados brasileiros são prodigamente criativos. Se normas processuais e a jurisprudência fecham as portas ao seu trabalho, tratam logo de encontrar meios para reabri-las. Além dessa engenhosidade de que são possuidores, é de se acrescentar ao fenômeno o crescimento populacional do país, o nível de melhor conscientização da cidadania e a multiplicação das relações econômicas de onde provêm os conflitos.
É desumana a tarefa dos ministros do STJ. Além disso, ainda são, por força de lei, obrigados a abrir a agenda para conceder audiências a advogados. A maioria vai falar sobre suas causas e pedir-lhes preferência para julgá-las. Como é fácil verificar, é o STJ a corte que mais concentra as atenções das partes. É ela que decide as enxurradas de pleitos originários de todo o país.
Enquanto o STF cuida mais de questões constitucionais, o STJ tem a incumbência de decidir dezenas de milhares de demandas que versam sobre matéria infraconstitucional. Os interesses variam de pequenos litígios até gigantescas disputas que encerram milhões de reais, sem contabilizar milhares de procedimentos criminais oriundos dos tribunais federais e dos estados.
Não bastassem as pesadas responsabilidades que recaem sobre cada um dos juízes da corte, ficaram eles agora reféns de atrabiliárias e freqüentes interceptações telefônicas. Violações tais que, como mal dos dias em que vivemos, se estendem, como praga, a todo o Judiciário nacional.
Durante os expurgos do regime stalinista na antiga União Soviética, suas vítimas eram, aos borbotões, submetidas a fuzilamentos sumários. Stalin foi advertido de que, entre elas, poderia haver inocentes. Teria respondido que a supremacia do bem do Estado justificava a matança.
Ora, no Estado de Direito Democrático, erigido sob o pálio da Constituição Federal, é o Judiciário a maior garantia do cidadão contra a truculência de transgressores da lei. No festival de operações desencadeadas pela Polícia Federal, com violências perpetradas sob ordens de incautos juízes, agride-se o único poder capaz de refrear os abusos contra os direitos das pessoas. Simples e corriqueiros telefonemas de servidores de tribunais em que ao léu fazem comentários sobre processos, servem de pretexto para lançar na lama de suspeitos juízes de ilibada e honrada conduta.
A Polícia Federal, cuja função é de importância indiscutível na vida federativa, tem se transformado, lamentavelmente, em instrumento de promoção e propaganda oficial. Reiteradas vezes o presidente da República tem vindo a público para jactar-se das proezas dela, pouco se importando com o enxovalhamento da honra de inocentes.
Os picarescos nomes dados às dezenas de operações por ela desencadeadas, de cujas ações têm resultado prisões arbitrárias, não resistem à atuação do Judiciário, que desfaz o arbítrio. A PF precisa abster-se de fazer o jogo de publicidade do governo, para ser, na forma da Constituição, órgão de segurança e verdadeira polícia judiciária da União. Teria ela se desincumbido a contento dos escândalos do governo federal no mandato passado? Investigou, por exemplo, o maior responsável por todos eles? Claro que não, omitiu-se.
Criou-se o Conselho Nacional de Justiça com o escopo precípuo de aferroar juízes. Aí está como um sorvedouro inútil do dinheiro do povo. Altos custos com diárias e passagens de conselheiros e servidores são despendidos semanalmente. Agora, são as violentas escutas telefônicas que misturam gente de bem com quem não vale nada. O Judiciário, como poder, tem que assumir a defesa de seus membros. A omissão é inexplicável e clamorosa. Que não se faça com a magistratura do país o que Stalin fez com suas vítimas.
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(*) Artigo originalmente publicado na revista Consultor Jurídico.