O pedido de indenização por danos patrimoniais, morais, estéticos e lucros cessantes feito por um ex-fumante contra a Souza Cruz foi considerado improcedente pelo juiz da 29ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, José Maurício Cantarino Villela. A decisão terá validade para os familiares do autor da ação, visto que ele morreu no curso do processo.
O autor, que ajuizou ação quando tinha 48 anos, disse que começou a fumar aos 18 anos, incentivado por propagandas dos fabricantes de cigarros. Afirmou que havia se tornado dependente, chegando a fumar dois maços de cigarro por dia, e que, em 1988, começou a ter problemas de saúde devido ao vício. Informou ter desenvolvido tromboangeíte obliterante (TAO), doença que culminou na amputação de suas pernas e começou a afetar também seus braços. Segundo o ex-fumante, a amputação o impediu de exercer sua profissão, e os gastos médicos teriam comprometido o padrão de vida do autor e de sua família. Defendeu que as propagandas de cigarro são enganosas, abusivas e ocultam informações sobre os danos que o fumo causa à saúde, o que, no entendimento do autor, seria prática de ato ilícito. Por fim, pediu a condenação da Souza Cruz por danos patrimoniais, morais, estéticos e lucros cessantes.
A empresa contestou alegando inépcia da petição inicial e prescrição do direito de pedir indenização. Também argumentou que o pedido de indenização por danos patrimoniais só seria cabível em caso de “dano eventual, hipotético, futuro e não liquidado”. Em relação aos lucros cessantes, a Souza Cruz entendeu que não está comprovado que ele deixou de ganhar cinco mil salários mínimos, como afirmado. Quanto à prescrição, a fabricante de cigarros alegou que, de acordo com o CDC, o prazo limite para ajuizar a ação seria 1996, o que não é o caso desse processo, que foi distribuído no Fórum em 2000.
No mérito, a empresa afirmou que a comercialização de cigarros é lícita, o que afastaria qualquer responsabilidade de indenizar. Defendeu que cumpre a determinação do governo federal, exigida desde agosto de 1988, de prestar informações sobre o produto aos consumidores. Alegou que a maioria dos fumantes que querem parar de fumar conseguem fazê-lo, bastando a força de vontade, e que os riscos do cigarro são de conhecimento público e disseminado, não podendo o autor alegar que desconhecia essa informação. Assegurou que a propaganda não é enganosa ou abusiva, pois apresenta dados essenciais sobre o produto. A Souza Cruz entendeu também que não há comprovação da ocorrência da TAO nem que essa doença foi causada pelo consumo contínuo de cigarro ou que o ex-fumante poderia perder os braços. Ao final, disse que não estão presentes os requisitos que justifiquem indenização.
O juiz afastou a preliminar de inépcia da petição inicial uma vez que ela preenche os requisitos necessários para o prosseguimento da ação. Quanto à prescrição, o entendimento do magistrado é que ela ocorre tendo como base o antigo CC, que tem como prazo prescricional 20 anos, e não o CDC. Levando-se em conta que o autor começou a ter problemas de saúde em 1988, antes mesmo do surgimento do CDC, e o autor entrou na Justiça 12 anos depois, em 2000, verifica-se que não ocorreu a prescrição, uma vez que a ação poderia ser proposta até 2008.
O magistrado entendeu que o ex-fumante não tem razão, já que na “época em que começou a fumar não havia legislação que restringisse o conteúdo e as formas de veiculação das propagandas de cigarros como nos dias de hoje”. O julgador faz referência à Constituição de 1988 para argumentar que não se pode falar em propaganda abusiva ou omissão da ré até então, tendo em vista que não se impunha às empresas tabagistas o dever de informação dos riscos à saúde que o uso contínuo de cigarro apresentaria aos fumantes.
Baseado em provas periciais, o juiz relatou na decisão que parar de fumar pode evitar a amputação de membros de 90% de pacientes que sofrem de TAO e que, mesmo assim, a autor continuou a fumar, assumindo os riscos desse hábito. “O abandono do hábito de fumar depende da força de vontade do fumante”, ressaltou José Maurício, que considera o tabagismo uma escolha e que não pode o fumante transferir para o fabricante de cigarros a culpa pelo seu estado de saúde nem pelo seu vício.
O magistrado conclui dizendo que a característica viciante do cigarro não é desconhecida, que os danos sofridos pelo autor não foram causados por defeito do produto e que o poder de viciar não é pressuposto para caracterização de dano. “Não há o dever de indenizar, pois inexiste a prática de ato ilícito pela ré, requisito indispensável para a configuração da responsabilidade civil”. (Processo: 0024.00.098.038-3)
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Fonte: TJMG
Rodney Silva
Jornalista - MTB 14.759