A Magistratura precisa se dar conta de que o juiz não tem custo nenhum para exercer sua atividade e o advogado tem despesas elevadas


21.01.08 | Advocacia

Gelson Rolim Stocker, 50 anos, 27 deles dedicados à Advocacia, é o mais novo representante da classe dos advogados no TJRS. Após uma disputa acirrada com outros 27 candidatos a uma vaga na lista sêxtupla da OAB/RS e depois na lista tríplice enviada ao governo do Estado, Stocker foi o escolhido pela governadora Yeda Crusius.
 
Stocker recebeu a reportagem do Jornal da Ordem em seu escritório na manhã da sexta-feira (18), e durante uma hora e meia contou passagens de sua vida profissional e familiar, a atuação junto à OAB/RS, e principalmente sobre suas metas e perspectivas como desembargador.

Acostumado a uma rotina de trabalho de 14 horas diárias, Stocker se mostrou pronto para uma rotina não menos cansativa junto ao TJRS, mas de portas abertas aos advogados.
 
Ao final da entrevista, ao religar o telefone celular, Stocker conferiu o número de chamadas que recebeu durante pouco mais de uma hora. Foram 63 no total. A maioria certamente de amigos, pretendendo parabenizá-lo.
 
JORNAL DA ORDEM  - O senhor é natural de que cidade?
 
GELSON ROLIM STOCKER - Eu nasci em Santo Ângelo. Saí de lá com um ano de idade e fui morar em Santa Rosa. Mas fui criado mesmo em Três de Maio, onde acabei ficando. Até hoje, ainda tenho uma irmã e vários outros parentes que morando na cidade.  Saí de Três de Maio e vim para Porto Alegre cursar o 3º ano do segundo grau e também me preparar para a faculdade. Formei-me no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, e fiz a Faculdade de Direito na Unisinos. Junto com o início da faculdade, também fiz o CPOR.
 
JO - Quando o senhor descobriu que queria ser advogado?
 
GELSON - De alguma forma já vinha alimentando alguma coisa nesse sentido na infância. Não tinha nenhuma influência na família. Minha mãe era professora e meu pai comerciante. Meus avós e muitos tios eram agricultores, plantadores de soja, milho, trigo e erva mate e criadores de animais. O que me trouxe para Porto Alegre foi exatamente a faculdade. Eu morava em Três de Maio, onde não tinha o curso de Direito.  Hoje é muito grande o número de advogados na minha família. Posso dizer que me dá muito orgulho isso, porque das pessoas mais próximas, dos parentes mais próximos, filhos, esposa, primos, sobrinhos, irmã, do qual eu sou o primeiro a iniciar essa geração. De certa forma, acho que acabei influenciando eles. Sou casado com uma advogada, tenho uma filha que é advogada, a outra filha, a Vivian, está se formando em Direito no ano que vem, e um menino de 15 anos, o Fernando, que segundo ele, não irá ter outra opção (risos). Espero que minha filha mais velha, a Greice, assuma como a titular do escritório na semana que vem. Minha irmã, minha sobrinha e meus os primos são advogados. Não que eu tenha sido o motivador, mas fui o primeiro dessa linhagem. Fui levando a vida e advogando. Me formei em 1980, e quando formado recebi o conselho de que deveria “criar asas próprias”. 
E foi o que eu fiz. Estava em Porto Alegre, e recebi um convite para ser advogado em um escritório em Canoas.  Na época, no escritório então deputado e advogado Jorge Uequed. Conversamos e lá comecei minha vida. No ano seguinte me casei e no outro, me mudei para Canoas. A minha esposa Cristiane era vizinha de apartamento e também estudávamos juntos. Ela também foi fazer Direito na Unisinos. Creio que devido a uma influência minha (sorri).
 
JO - Em que área começou a advogar?
 
GELSON - Quando a gente se forma sem ter uma linhagem na Advocacia, a especialidade passa a ser a de “clínico geral” (risos). Faz-se um pouco de tudo, como por exemplo, a Advocacia trabalhista. No início, fazia patronal-empregado. Ou seja, quem precisasse da atuação de advogado a gente fazia. Fiz Advocacia criminal, de família, além de vários júris. Com o passar do tempo, a gente vai tendo condições financeiras, que vão melhorando quando se tem algum sucesso. Aí se consegue dar sobrevivência à atividade, e avaliando o que mais gosta de fazer. Acabei criando um escritório em 1985. Era uma época em que poucos escritórios de Advocacia se constituíam em pessoas jurídicas e se registravam na Ordem. Tanto que a inscrição do meu escritório é a de número 63. Atualmente, já devem ter mais de dois mil escritórios registrados na OAB/RS. Fiz especialização em Direito Empresarial. Ao me especializar nesse tipo de Direito tive que voltar às origens, não mais pessoalmente, mas o escritório passou a fazer uma atuação em várias áreas do Direito. Até porque, as relações do Direito empresarial são múltiplas. O empresário tem problemas de natureza trabalhista, fiscal, tributário, comercial ou empresarial. Enfim, das mais variadas áreas de atuação do Direito. Apesar da minha especialidade no Direito privado, na área de contratos, hoje o meu escritório faz o que eu fazia sozinho no início. O escritório atua nas mais diversas áreas. Tenho colegas que cuidam da área tributária, de contratos, e eu fazia a supervião geral dessas questões. Lá no início, sozinho, eu fazia quase de tudo. Hoje o escritório faz quase de tudo. No escritório trabalham cinco advogados e três estagiários, que formam uma equipe extremamente competente. Estou satisfeito. Hoje (sexta-feira, 18) ainda terei que sentar com eles e conversar sobre a situação do escritório, porque ainda não planejei nada. Espero que eles se disponham a dar seguimento a essa atuação do escritório.
 
JO - O senhor imaginava que um dia iria se tornar desembargador?
 
GELSON - Não. Nunca tive esse plano. Na verdade penso que o exercício da condição de desembargador, representando a classe dos advogados, não deve ser fruto de um planejamento muito antecipado. Não é um coroamento de uma atividade na Advocacia e não é uma solução para um eventual insucesso na área. Penso que essa participação do advogado no  quinto constitucional é uma responsabilidade que deve ser fruto da representação da classe e da sociedade lá no tribunal.  Nunca fiz planos para ser desembargador. Exerci os mais variados cargos na OAB/RS. Fui presidente de subseção (Canoas), membro de comissão, conselheiro estadual, suplente, titular, conselheiro federal, tesoureiro.  Nesses períodos votei em inúmeros colegas para a lista sêxtupla, mas não tinha essa pretensão. A gente precisa estar maduro o suficiente para representar a classe. De alguma forma, há dois anos e meio, me senti com essa pré-disposição, essa missão, quando na gestão anterior à do presidente Claudio Lamachia, me candidatei pela primeira vez e para minha honra fui escolhido pelo Conselho Seccional da gestão  anterior como um dos mais votados. Também fui escolhido pelo tribunal, integrando a lista tríplice já na primeira participação. Não tive a honra de ser escolhido pelo governador Germano Rigotto. No entanto, isso não tira o mérito daqueles que participaram. O fato de ser escolhido pela Ordem, já é um fato extremamente marcante, relevante, importante na vida de qualquer advogado. Ser escolhido pelo tribunal também é importante, pois representa um dos poderes reconhecendo a atuação daquele profissional, que culminou, agora, com a escolha da governadora Yeda Crusius, que muito me honrou, porque é uma responsabilidade muito grande. O desembargador do quinto constitucional não é mais um julgador, ele tem também outras funções, como a de não esquecer nunca a origem - a classe social dos advogados - a responsabilidade social que tem de representar a sociedade de uma forma mais atual e atuante. Então, essa atuação não foi planejada e pensada. Mas num determinado apareceu assim: você está maduro para exercer essa relevante função de representar a classe dos advogados. A partir do momento que vi que estava maduro fui à luta e passou a ser um objetivo.
 
JO - Quais as principais características que o senhor vai levar da Advocacia para a magistratura?
 
GELSON - Posso dizer as principais características que eu tenho, mas não sei se vou levá-las. Acho que primeiro a gente vai precisar ter uma grande mudança de comportamento lá, num aspecto. Claro que não é mudar a forma de ser, de agir, não nesse sentido. A grande mudança que eu vejo é que no exercício da Advocacia nós pedimos que o juiz atenda nossa pretensão. No tribunal, eu vou decidir sobre o pedido. Penso que essa será uma das primeiras mudanças de comportamento. No tribunal não vou mais estar pedindo, e vou ter que me adaptar.
 
JO – Vai ser uma rotina de portas abertas?
 
GELSON - Absolutamente aberta. Em 50 anos, minhas portas nunca foram fechadas para ninguém, e com certeza continuarão assim. Desde a  publicação no Diário Oficial do ato de nomeação,  eu recebi centenas de ligações que me deixaram muito orgulhoso. As pessoas que me ligavam para parabenizar diziam que: “tu tem as características do advogado e poderás representar bem a advocacia no tribunal”. Eu tenho dito que se em algum momento eu perder as condições pela qual fui levado lá, que todos meus colegas tenham a liberdade de me dizer: “Gelson, tu estás indo por um caminho que não é aquele que te trouxe aqui”. Às vezes, no contexto, a gente não consegue ver tudo. Os meus colegas também precisam ter essa liberdade de conversar, criticar, buscar informações e orientações. É “portas abertas” para os advogados, para todos. Penso que na função do julgador só se encastela aquele que tem insegurança. Aquele que tem segurança no que quer, no que deve e pode fazer, não tem porquê não estar de portas abertas para dialogar.
 
JO - Como combater o ranço de alguns juízes que não gostam de aquinhoar os advogados com bons – e justos – honorários?
 
GELSON - Quando eu fiz minha manifestação na sabatina da Ordem e depois no Tribunal de Justiça, fiz expressa referência sobre as discussões, a nível nacional, se a origem dos honorários dos advogados é de natureza alimentar,  ou não. Há decisões dizendo que não, e outras que sim. Eu me filio à corrente que sustenta que os honorários do advogado são sempre de natureza alimentar. Se lá no artigo 133 da Constituição está escrito que o advogado é indispensável para a administração da Justiça, e em igualdade com os juizes e promotores, mas se os juízes e promotores são remunerados pelo Estado, e o advogado está em igualdade, a remuneração do juiz e promotor é de natureza alimentar. Não tenho nenhuma dúvida que a remuneração do advogado é de natureza alimentar também. Eu também sofri muito, durante a minha carreira de advogado, que ora vou encerrando, com a questão da fixação dos honorários da sucumbência. Se eu tivesse dependido  dos honorários da sucumbência para sobreviver, teria desistido da carreira, ou então não teria as condições materiais que felizmente possuo hoje. Os advogados passaram a ter a necessidade de não dependendo dos honorários de sucumbência, fazer os honorários da contratação, os honorários pagos pelas partes, o principal meio da sua sobrevivência. E penso que nós devemos inverter isso, porque isso dificulta o exercício da Advocacia. O profissional precisa cobrar muitas vezes antecipadamente da parte, porque a função do advogado não é de fim, mas de meio. O advogado precisa se utilizar do seu conhecimento e do seu trabalho, para obter um resultado que não depende dele. Então ele tem que receber pelo trabalho que fez,  não só pelo resultado. O resultado é o da sucumbência. Então, penso que nós devemos ter sempre presente que esses honorários da sucumbência devem representar de forma adequada a remuneração do advogado. Quando digo de forma adequada, quero dizer que nós não podemos fixar os honorários. Ao interpretar a lei, defendo a tese de que os honorários devem ser sempre entre 10% e 20%, independente da causa, salvo se o mínimo de 10%, 20% for insignificante a ponto de nós termos que fixar um valor maior. Na atividade jurisdicional que iniciarei em fevereiro, vou sempre decidir no  reconhecimento de que os honorários são de natureza alimentar. Também deve ser fixada uma forma justa de valores compatíveis com a necessidade atual, que são diferentes de 20 anos atrás. O custo da manutenção de um escritório hoje é diferente daquela época. Hoje, a questão da Internet, dos computadores, das intimações, da tecnologia, tudo isso tem um custo. Tudo isso deve ser pensado e ponderado para a fixação dos honorários.
 
JO - E o que falta para isso ser feito?
 
GELSON - Falta levar nos julgamentos a visão dessa necessidade atual. A magistratura precisa se dar conta - ao aquinhoar os advogados com honorários justos e decentes - que o juiz não tem custo nenhum. Não sai da remuneração dele a manutenção do custo para o exercício daquela atividade, o que é feito pelo Estado. O juiz de primeiro grau e o desembargador têm a sua remuneração, e para o exercício daquela atividade o Estado lhes dá as condições. O advogado não. É com seu resultado que ele precisa manter o custo da sua atividade. Custo esse, que aumentou muito. Isso não se faz de uma hora para outra. Isso se faz com uma mudança de pensamento, de trazer argumentos para justificar alguma coisa nesse sentido.

JO - O senhor privilegiará a aplicação da lei ou a aplicação prioritária do que lhe parece ser justo?
 
GELSON - Na verdade, não há como fugir da interpretação da lei. Como magistrado irei aplicar o que diz a lei, mas para essa aplicação vou precisar interpretar. E é normal que para essa interpretação, eu leve toda a carga de influências que tive na  vida - sejam de natureza filosófica, política, social. Eu não defendo a tese de que se viole a lei para aplicar justiça, mas sim a de que a lei foi criada para ser justa. Vou aplicar a lei, na interpretação da lei, mas vou por essa interpretação fazer com que se faça a justiça.
 
JO - Como foi a disputa do quinto constitucional? Quais os melhores e piores momentos?
 
GELSON - Eu sou um otimista. Tudo que acontece na vida é para o nosso bem. Até quando alguém disputa contigo alguma coisa, essa disputa é sempre para o teu crescimento. Se alguém pensar diferente do que eu, não me dá o direito de pensar que ele é mais ou menos que eu. É diferente. Eu tenho a honra de ter sido indicado duas vezes pela OAB/RS, em duas administrações diferentes. Nos pleitos não enfrentei inimigos, mas adversários. Isso é algo que me dá muito orgulho. Durante a disputa anterior, na outra gestão, fiz 32 votos, mesmo sabendo de que eu participava e defendia a corrente oposicionista, que é a administração atual. E lá naquele conselho, não digo de adversários, mas de pessoas íntegras, sendo que algumas estão agora no atual Conselho. No Conselho atual, do meu grupo político, recebi 33 votos. Aumentou somente um, o que demonstra que a disputa foi parelha, com um presidente amigo, mas absolutamente magistrado do processo. Ele não interferiu lá na Ordem, não pediu por mim, nem vi ele pedindo para nenhum dos outros candidatos. Mas então, penso que o diferencial dessa administração do Claudio Lamachia é que ele não fechou em torno de um ou de alguns nomes, e disso resultou que a votação foi bastante disputada. Vencida a primeira etapa, que então eu tive a honra de ser o mais votado, junto com o Dr. Gastal, foram também indicados os colegas Medeiros Fernandes e Rodolfo Carrion, vindo depois a segunda votação, de onde sairam indicados mais dois candidatos - os colegas Eduardo Delgado e Marilene Guimarães. No período entre o primeiro e o segundo edital, mesmo fazendo parte da lista, fiz algumas visitas no tribunal, mas não me acelerei muito, exatamente para não fosse visto como um aproveitador da demora da conclusão da lista. Fui aos poucos conversando, e quando a lista sêxtupla se formou, intensifiquei minha visita aos desembargadores, me apresentando, me colocando à disposição. Vencida a segunda etapa, da lista tríplice, se passou a ter uma articulação junto ao governo do Estado para me mostrar, me fazer conhecer. Nunca tinha tido nenhum contato pessoal com a governadora, nem nesse processo, nem antes. Acho que tive algumas facilidades, assim como todos tiveram pessoas importantes pedindo pela sua nomeação. A decisão veio de um processo até demorado, de 20 dias. É o primeiro ano da governadora. Acho que ela queria ter a certeza de que iria acertar. Acho que essa demora amadureceu a escolha dela, e posso dizer que a escolha foi fruto de uma madura decisão da governadora do Estado.
 
JO - Como senhor avalia a atual gestão e o atual momento da OAB gaúcha e do Brasil?
 
GELSON - Eu participei da administração da Ordem durante quase 12 anos. Em compensação, nos últimos 12 anos, não tive nenhuma participação. Desde que deixei de ser conselheiro federal da OAB nunca mais disputei uma eleição diretamente. Sempre apoiava, tive participação como eleitor e como cabo eleitoral, mas nunca mais integrei nenhuma chapa desses processos. Em compensação, os últimos dois presidentes da OAB nacional foram conselheiros federais junto comigo, com os quais mantive e mantenho uma amizade e um carinho muito grande (Roberto Busato e  Cezar Britto). Busato era conselheiro federal do Paraná; a Dra. Marina Magalhães, conselheira e secretária-geral adjunta; a Dra. Cléa Carpi da Rocha era conselheira federal junto comigo e o Cezar Brito conselheiro federal também. Fizemos uma boa amizade que mantemos até hoje. Acompanhei nesses períodos a administração do Conselho Federal com muito carinho, e vi que o Conselho Federal sempre esteve muito bem nessas duas administrações. Na OAB/RS, por estar afastado da administração, não acompanhei tão de perto. Mas vi que tivemos sérias dificuldades de relacionamento com o Poder Público, com o Executivo, com o Legislativo e principalmente com o Judiciário. Preocupou-me muito a falta de diálogo da Ordem com o Tribunal de Justiça, com aquilo que nos afeta mais diretamente, o exercício da Avocacia. Vejo a grande mudança com a administração do Claudio Lamachia, que é o dialogo, a transparência, a disposição de atingir os objetivos. Até de uma forma pragmática, o atual presidente está atuando, já que a Ordem precisa ajudar os advogados no exercício da Advocacia, o que implica no bom relacionamento com os poderes constituídos. O presidente tem feito um trabalho ímpar, magnífico nessa questão do relacionamento. 

A Ordem hoje é ouvida, vista como uma entidade que volta às origens, de não apenas ser coadjuvante, mas sim integrante do processo decisório, das decisões importantes do Estado e do País. Isso é fruto da capacidade do Claudio Lamachia, de liderança e de organização. A OAB/RS também está se organizando administrativamente, fazendo um belo trabalho. Penso que a administração do Claudio será coroada de pleno êxito. Tenho um carinho especial por ele, por toda a sua diretoria, em especial com o dr. Luiz Henrique Cabanellos Schuh, nosso tesoureiro que exerce o cargo que já desempenhei. Coloquei-me à disposição dele, claro que ele não precisou porque é de extrema competência. A nossa secretária-geral, Dra. Sulamita, é de uma capacidade administrativa e organizacional ímpar. Avalio que a Diretoria como um todo está harmoniosa, claro que divergências são naturais. O Conselho tem se mostrado presente. Diversas comissões são atuantes e têm trazido bons resultados para a entidade. E na Comunicação Social, a Ordem está de cara nova. Estou muito contente, porque de alguma forma ajudei e participei desse momento da administração da Ordem. Pequena ajuda, mas participativa. Sou responsável pelas coisas boas e até por eventuais equívocos que possam acontecer.
 
JO - Temos visto recentemente uma relação de atrito entre Judiciário e governo do Estado. Na sua opinião, o que pode ser feito para que as diferenças entre os poderes não prejudiquem a cidadania?

GELSON - Confesso que não sei diretamente o que pode ser feito de forma objetiva e concreta. Mas tem uma coisa que pode resolver a solução: diálogo. Sentar, conversar e chegar a um denominador comum. A solução de todos os problemas acontece e acontecerá sempre fruto do diálogo. É sentando à mesa, mostrando as divergências, as capacidades e as condições, o que se pretende lá adiante que vai se conseguir chegar. Não tenho a solução, não posso dizer que “se fizer assim vai se chegar a uma solução”, mas sei que conversando, dialogando, com certeza se chegará a uma solução. 

A Ordem está tendo essas condições e até acho que pode aprofundar mais essa condição de ser de alguma forma um participante ativo dessas eventuais divergências para, através do diálogo achar uma solução.
 
JO - Como o senhor analisa, e que medidas devem ser tomadas para evitar a politização das decisões na Justiça? 

GELSON - Nós temos que distinguir entre uma decisão de natureza política geral e uma de natureza política partidária. Essa é a primeira grande diferença. Não podemos ter decisões de política partidária. Já na de política em geral, o sujeito leva a par ao julgamento toda aquela carga já comentada: de pensamento, de educação, de vivência. Agora, de natureza partidária, é completamente incompatível com a decisão judicial. Porque a decisão que vai tirar ou dar algo para alguém não pode dar por interpretar de forma, como diz o nome, de forma partida; com aquela visão, com aquele partido. Tem que dar com a visão da lei. Mas e as leis, são feitas por quem? De alguma forma está dentro daquela decisão judicial - a política partidária-  ao interpretar a lei, pois tem aquela carga de natureza política porque são os políticos que as fazem.

JO - Há muitos entraves entre Advocacia e o tribunal. O que o senhor, como desembargador, pretende fazer para melhorar isso?

GELSON -  Não temos nenhuma dúvida de que ao integrar o tribunal com mais de 120 desembargadores, isoladamente  não se consegue fazer nada. Não tem como. Nós devemos, através do diálogo, ir construindo um alicerce de melhorar e facilitar as condições para o exercício da Advocacia. Vou dar um exemplo que me preocupa muito porque já fui vitima disso: ser marcado um julgamento no tribunal, e por alguma razão, justificada ou não, o processo ser retirado de pauta, e o advogado só ficar sabendo disso no momento do julgamento, quando já se sabia um, dois, três, ou alguns dias antes que o processo não iria a julgamento. Isso pode acontecer? Sim. Mas se existe um mecanismo de comunicar os advogados, que muitas vezes se deslocam de longas distâncias para vir ao tribunal, fazer o acompanhamento, a sustentação oral, por que não avisá-los? Eu penso que isso já ajudará muito os advogados. É um exemplo de uma pequena coisa que pode ser feita. Outra coisa: ouvir as duas partes, de forma não predisposta a não aceitar aquela argumentação, mas de receber aquilo como forma de buscar a fundamentação para a decisão. Ouvir a sustentação oral, ler as razões de forma muito intensa, as argumentações das partes, receber e dar o tratamento adequado para os memoriais quando são apresentados. Ouvir com muita atenção a sustentação oral quando ela é feita. Acho que essas pequenas coisas vão se somando e resultam numa melhora do exercício da Advocacia.

Não que todas essas coisas não sejam feitas hoje. Mas penso que nós temos que intensificar esses exemplos que eu dei, no sentido de facilitar o desempenho da Advocacia, melhorar as condições para o advogado. Meu pensamento é: se eu posso facilitar, porque vou complicar? Às vezes a gente vê o pensamento ao contrário: “se eu posso complicar, porque eu vou facilitar?” Não é isso que eu quero. Tenho que montar uma equipe de trabalho que ainda não pensei. Quero que essa equipe seja conscientizada de que o advogado é indispensável para a administração da Justiça e que deve ter a mesma atenção que recebem outros juizes, desembargadores ou promotores. De que a parte, quando vai buscar a prestação jurisdicional, vai porque tem aquela necessidade. Não vai ficar três, quatro anos por uma demanda judicial se não tiver aquela necessidade. Nós temos que ter presente também que não podemos medir os direitos de forma linear, no sentido de que os valores sejam sempre os mesmos para tudo, porque nem sempre significa que quem pleiteia um pequeno valor esteja pleiteando pouca coisa, porque às vezes o pequeno valor daquela pessoa tem grande valor para ela. E às vezes, um grande valor para os nossos conceitos, para aquela pessoa pode não representar nada.
 
JO - Em 2005, a Associação dos Magistrados Brasileiros e a Associação dos Magistrados Trabalhistas pressionaram o Congresso Nacional para extinguir o quinto constitucional. O que o senhor, como representante classista, pensa sobre o assunto?
 
GELSON - Não foi a primeira e nem será ultima vez. O caso é que o quinto constitucional, a representação do advogado não é recente. Vem de muito tempo. O que foi aperfeiçoado é a forma da escolha, que se tornou mais participativa da classe de origem. Nós tivemos um momento em que o Executivo nomeava entre os advogados indicados pelo tribunal. Mas isso não era o espírito da lei do quinto constitucional, da representação da classe dos advogados como elemento indispensável para a ação da Justiça. E foi aperfeiçoada hoje, tanto que é a Ordem que faz a lista sêxtupla -e é desta que sai a lista tríplice. 

Eu defendia que a Ordem fizesse a listra tríplice, e ela mesmo mandasse ao Executivo. Cheguei a ter o pensamento mais radical, de que a Ordem devesse fazer uma indicação. Mas acho que uma lista tríplice, assim como os outros poderes formulam, é feita porque é adequado. Passar direto da origem. O Ministério Público faz a sua indicação. Então acho que nós, de alguma forma, poderíamos superar isso. Então eu já penso que com relação do quinto nós poderíamos dispensar a participação da lista sêxtupla e do tribunal e ir direto para a listra tríplice ao Executivo. Sobre a questão da não aceitação de alguns com relação a participação da Advocacia e consequentemente até do Ministério Público, porque quanto a eles teriam menos resistência, porque eles fizeram também concurso, eu digo assim: se nós quisermos que o Judiciário seja um poder, os seus integrantes devem se comportar como integrantes de um poder, e não como funcionários públicos. E se os integrantes do Judiciário integram efetivamente um poder, não podemos esquecer uns princípios básicos da nossa Constituição, da nossa formação democrática. Primeiro: que todo poder emana do povo, que exerce diretamente ou por meio de representantes eleitos. E se isso é bom, importante e democrático, também é adequada a participação da sociedade por meio de um de seus indispensáveis pilares na efetividade da prestação judicionária, que se dá através do quinto constitucional. Então, penso que a importância do quinto é isso: é uma consolidação para que o  Judiciário seja efetivamente um poder, para que haja o que a gente chama de oxigenação do Poder Judiciário. É natural que os juizes, ao passar do tempo, acabem se distanciando dos problemas do dia-a-dia da sociedade, e aí a presença do advogado, que estava até ontem participando ativamente, recebendo ativamente a preocupação da sociedade, com relação às questões econômicas, sociais, das próprias leis, leve essa angústia ao tribunal, dizendo o que está acontecendo lá fora. E quando digo lá fora, quero dizer que não podemos deixar acontecer que o Poder Judiciário seja um poder isolado, um poder afastado da participação social e política da comunidade.
 
 
JO - Porque o senhor agora deixa de lado, uma carreira bem sucedida na Advocacia, e ingressa na de desembargador, sem saber o que lhe aguarda?

 
GELSON- Talvez seja por isso (risos). O desafio! Eu me sinto um bom advogado, me vejo com algum sucesso na profissão, me considero bem sucedido e bem reconhecido pelos meus colegas. Eu não decidi disputar a indicação da vaga de desembargador por necessitar melhorar nada. Assim como não vejo que vou perder alguma coisa. Vejo como uma necessária mudança da minha participação na sociedade num momento que eu me senti maduro o suficiente para essa representação no tribunal. Eu não penso que vai melhorar, que vai piorar, penso que vai ser diferente. Tem diferença entre pedir e decidir, por exemplo. Acho que no momento em que há uma previsão constitucional, que há uma necessidade de alguém estar lá representando a Advocacia, e que me senti qualificado e maduro o suficiente, me dispus a pleitear essa representação.
 
JO - O que o senhor gosta de fazer quando não está trabalhando?

GELSON - Quando não estou trabalhando? (risos) Pois é. Na quinta-feira eu fui fazer a visita ao presidente do TJRS, Marco Antonio Barbosa Leal. E ele me disse: “isso daqui não é moleza, tem muito trabalho". Eu disse “olha, para quem exerce a Advocacia há 27 anos e trabalha no mínimo 14 horas por dia, não sei se em termos de quantidade de trabalho vai ser muito diferente”. Ele respondeu que “se é assim, vem logo que tu não vais sentir muita diferença”. Minha dedicação ao trabalho é muito grande. Há muita reclamação lá de casa pelo fato que saio ás 8 da manhã e só volto às 10 da noite. Antigamente eu trabalhava também aos sábados e às vezes nos domingos. Tenho conseguido, ultimamente pelo menos, não exercer a profissão nos finais de semana no escritório. Mas eventualmente faço,  no fim-de-semana, alguma leitura preparatória para a segunda-feira. Então, normalmente o que eu faço quando não estou no trabalho é pensar no trabalho (risos). Na verdade, hobby hoje, não tenho nenhum. Tinha dois: mergulho submarino, que fiz até cursos, indo a vários lugares no Brasil. Também jogava tênis. Mas os dois foram abandonados. Eu tenho uma preocupação muito grande também com a minha família, me dedico muito à minha mulher e aos meus filhos.  A ordem das coisas deve ser a família, o trabalho e as demais coisas que a gente possa fazer. Tenho uma atividade muito intensa no Rotary, que foi um momento muito importante de ser solidário. Gosto de fazer nos finais de semana meu próprio churrasquinho, tomar um chimarrão e eventualmente assistir um futebol. Torço pelo Internacional, campeão do mundo, da Copa Dubai e da Tríplice Coroa.