Direito Real Canino


05.06.07 |

Ingrid Birnfeld,
advogada
 
Talvez o jovem juiz leigo apenas estivesse no lugar errado. Seus curiosos entendimentos poderiam ser melhor compreendidos em outros foros, quiçá no legislativo ou em grupos de discussões jurídicas vanguardistas.
 
Naquele dia, não foi diferente. Os réus, pessoalmente citados, eram três advogados gaúchos que estavam sendo demandados porque mantinham, no seu escritório profissional, dois cães de guarda, que à noite ficavam soltos no pátio. O autor, um promotor de Justiça que - embora não residindo muito próximo - se dizia muito incomodado com a movimentação e os latidos dos animais.
 
Em defesa, os réus alegaram preliminar de ilegitimidade passiva, porque os cães pertenciam à sociedade de advogados, e não às pessoas físicas, exibindo, inclusive, diversas notas fiscais de compras de ração e produtos veterinários, todas em nome da pessoa jurídica.
 
Examinando a alegação que poderia vir a causar a extinção do feito sem julgamento de mérito, o juiz leigo não deu razão aos réus, aduzindo, como fundamento, inovadora opinião:
 
- Doutores, filio-me àqueles que entendem que a propriedade canina se comprova através dos registros dos animais no Kennel Clube da nossa região. Se vocês não os possuem em nome da sociedade, então devem responder pessoalmente.
 
Pasmado com a manifestação, um dos réus - pai dos demais e profissional de notório saber jurídico - ainda tentou argumentar com o juiz, questionando a natureza do direito que estava sendo discutido, mas de nada adiantou.
 
- Só com o registro emitido pelo Kennel Clube, doutor. Ou fazem um acordo, ou julgarei o mérito do pedido - verberou o juiz leigo.
 
- Mas não há falar em registro da propriedade... – insistia o advogado.
 
- É esse o meu entendimento – o juiz teimava, como que com a certeza dos anciãos.  
 
- Se é assim, então façamos um acordo. Queremos encerrar essa discussão aqui – sinalizou o profissional da Advocacia.
 
- Ótimo, doutor. Assim é melhor pra vocês, pois a situação dos cães é irregular...
 
- Ótimo, mas não por causa disso. É que não queremos participar do nascimento do Direito Real Canino que Vossa Excelência preconiza – sentenciou o experiente advogado.
 
- Até mesmo porque temos de tratar os vira-latas com isonomia! – ironizou um dos outros réus.