A contadora de causos - Galinho, aliás, o promotor precipitado
22.05.07 |
Por Ingrid Birnfeld,
advogada
Apregoados autor e réu, apenas o segundo comparece à audiência no Juizado Especial Criminal de uma comarca de Santa Catarina. É um idoso. Ingressa na sala caminhando com dificuldade, desacompanhado de advogado e amparando-se em muletas. Não conseguindo se sentar na cadeira indicada pelo promotor, escolhe um banco próximo a uma parede, esticando as pernas e exibindo cansaço.
- O senhor sabe por que está aqui? – questiona o promotor.
- Sim, porque bati na cachorra da vizinha.
- Vamos nos expressar corretamente, meu senhor, pois estamos na Justiça. O senhor bateu na cachorra que pertence à sua vizinha ou está chamando a sua vizinha de cachorra? - o jovem promotor ironiza, na ausência da juíza, já iniciando, informalmente, a audiência.
- Olha, doutor, eu tenho 81 anos, e o senhor, que é moço, entendeu o que eu quis dizer – assevera o réu. Ela andava solta, deixou marcas no cimento mole da minha calçada nova, então prendi no meu quintal – completou.
- Então proponho que o senhor faça o que chamamos de transação penal. Como réu, admita que fez coisa errada e, por exemplo, doe alimentos a alguma entidade carente – tenta moralizar.
- Doar alimentos? É a dona quem tem que me agradecer! Eu fiquei cuidando da cadela, que nem comida antes ganhava – retruca, sendo observado pela magistrada, que já havia ocupado seu lugar no recinto e determinado novo pregão da autora.
- Desculpe, colega, mas a autora não compareceu, embora ciente da audiência. Assim, determinarei o arquivamento do feito – a juíza decide, interrompendo o diálogo.
- Claro, nem percebi. Estava no “automático” – o promotor responde, constrangido.
- Seu José, eu vou mandar arquivar este processo, porque a sua vizinha não apareceu. Por hoje, a discussão está encerrada e o senhor pode voltar pra casa tranqüilo. Espero que se entendam, e que nada de ruim aconteça com a cachorrinha.
- Então nada vai ser feito contra mim? – pergunta o réu, parecendo não acreditar nas serenas palavras da magistrada.
- Não, pois a sua vizinha não cumpriu com a obrigação de comparecer hoje aqui – explicou, pedindo para que ele assinasse a ata.
- A paz do senhor! Que a senhora conquiste tudo o que deseja, tudo de bom pra doutora – exclama, já se despedindo.
- E que a jovem vá bem nos estudos! - diz, apertando a mão de uma estagiária que assiste à audiência.
- Bom trabalho à senhora também – afirma à escrivã, antes de se dirigir à porta.
Quieto, o promotor escuta os votos como quem espera algo não muito agradável.
E assim acontece. Apoiando-se na maçaneta da porta, o réu levanta uma das muletas e a aponta em direção ao promotor.
- Ao jovem, ao jovem eu desejo...
A apreensão toma conta da sala. O rosto do promotor enrubesce.
- Desejo que cresça, pois o senhor é muito novo pra ficar aí cantando de galo.