A contadora de causos - Supremo


15.05.07 |

Por Ingrid Birnfeld,
advogada
 
Na cidadezinha do interior do RS, era bastante elevado o número de execuções. Não se sabe bem por que, se pelo espírito aguerrido dos seus colonizadores ou devido aos interesses dos proprietários de grandes terras, mas o fato é que seus filhos se comportavam como se não tivessem renunciado ao direito de auto tutela.
 
Mas o jovem juiz, recém empossado, parecia não saber da fama que envolvia a sua gente. Havia sido carinhosamente acolhido na cidade, e foi na própria cerimônia de sua recepção que simpatizou com o vice-prefeito, dono da maior estância da região.   
 
- Faço questão de receber o doutor em minha casa, venha para passar um dia ou descansar durante o final de semana, vou lhe esperar com um mate – a autoridade disse ao se despedir.
 
E foi assim que o convite se repetiu por diversas vezes, até que o iniciante magistrado o aceitou.
 
- Às cinco horas da sexta, podem me pegar em frente ao foro, então – combinou.
 
- Perfeito! Será o meu motorista, o Supremo, que irá lhe buscar – assentiu o recente amigo. Aguardarei na estância, vou preparar tudo para uma caçada. Almoçaremos perdizes no domingo!
 
O juiz imaginou ter erroneamente entendido o nome do motorista, mas a confirmação veio tão-logo o homem desceu do carro no dia e hora marcados:
 
- Boa tarde, sou o Supremo e vim buscar o senhor por ordem do patrão – afirmou com voz grossa, do alto de um metro e noventa e costas largas, ao apertar a mão do juiz. 
 
“Supremo é supremo”, pensava o magistrado, curioso, durante o trajeto a caminho da estância, mas não suficientemente à vontade para questionar, ao homenzarrão, a origem do seu apelido.
 
Acanhamento que não resistiu aos dois dias de convivência com o vice-prefeito. Quilômetros cavalgados e duas caçadas cumpridas com sucesso, sempre com a companhia de Supremo, foi na presença da esposa e dos filhos do político, rodeando o fogo   que esquentava a água do mate no cair do domingo, que perguntou, artificialmente despretencioso:
 
- Mas me diga uma coisa... por que o funcionário se chama Supremo?
 
Ao que o amigo sentenciou, sem alterar um músculo sequer da face, surpreendentemente dirimindo a dúvida:
 
- É porque quando a gente encaminha o assunto pra ele, é a última instância, não tem mais apelação.