Romance forense - A estagiária “co-autora” de um delito
11.05.07 |
O atendimento ao público na Promotoria do Foro da média cidade corria normalmente. A estagiária atuava com tranqüilidade. Quando necessário, ia ao cartório, procurava pelo processo e sentenciando em tom magistral, decidia “in limine” a consulta a ela formulada. Ainda era estudante e a ela fora conferida tanta responsabilidade! O Direito já não lhe parecia ser difícil. E, neste clima, surgiu uma mãe queixosa, nervosa e aflita.
- "Minha filha tem 14 anos, é honesta, namorou um rapaz por um mês, acreditou nele e agora fugiram. Quero o casamento deles! Ela não tem pai e me mandaram aqui para que tudo fosse solucionado”.
A estagiária pensou rapidamente e disparou:
- “Se eles se gostam e fugiram, o casamento é a solução. Se ele não aceitar a união legal, não é aceitável incentivar o concubinato. Analisaremos a questão sob o prisma penal. Não tendo havido violência ou grave ameaça e excluída também a violência ficta, não há que se falar em estupro. Com relação ao delito de sedução, tenho cá minhas dúvidas, pois o tempo de namoro não foi suficiente para captar e viciar a vontade da vítima, isto é, paparicá-la antes, para papá-la depois”.
- "Nossa, moça! Credo! Eles só querem se casar" - rebateu a mãe.
- "Mais simples, então" - respondeu aliviada a estagiária, pedindo que a mãe trouxesse, com urgência, um atestado médico comprovando que sua filha fora deflorada e que reunia condições para assumir o casamento. No dia seguinte a mãe foi novamente ao Foro.
- "Moça, o médico do Posto de Saúde deu o atestado, mas escreveu que minha filha é virgem"...
- "Não pode ser, minha senhora! Se eles fugiram é porque não agüentaram esperar pelo casamento. Logo, sua filha não é virgem" - ponderou a estagiária.
- "Mesmo assim, eles querem o casamento" - confirmou a mãe.
- "Impossível! Se ela for virgem, não há como suprir-lhe a idade para casamento. As coisas permanecem como estão! Faz de conta que a sua filha foi passar alguns dias na casa da tia e só agora retornou. E se alguém levantar alguma fofoca, exiba o atestado médico provando que ela é virgem. Assim, o seu problema estará resolvido da melhor forma".
A mãe concordou. Mas deu um recuo.
- "Mas, moça, no fundo eles querem o casamento".
- "Olha, dona, para casar só se tiver atestado afirmando que ela não é mais virgem. Ou muda o atestado ou . . ."
- "Ou o quê?" - indagou a queixosa.
- "Ou eles fazem logo aquele... negócio íntimo... para acabar a novela. No caso dela, para poder casar, ela não pode ser virgem, entendeu? É a lei. E a vontade da lei é que o ato sexual seja consumado antes do casamento. Primeiro deflora, depois é que se implora" - finalizou com um sorriso malicioso.
- "Então é melhor eu ir embora e conversar com eles. Vou colocar o rapaz na parede. Ou enfrenta o problema de uma vez ou me entrega a filha do jeito que está. Ou sai de cima ou fica para valer".
- "É, mas vai com jeitinho, né? A senhora sabe, estas coisas são delicadas e se começar a pressionar e exigir, aí não sai nada. Dá umas dicas, cria um clima romântico, compre uma colcha de casal e os presenteie. Se, mesmo assim, nada resolver, é até bom, porque a senhora vai descobrir que o rapaz tem problemas. Se não deflorou é porque brochou, né?" - concluiu a estagiária com ar professoral.
E, mais uma vez, no dia seguinte, a mãe compareceu à Promotoria, acompanhada, agora, da filha e do pretendente a genro. Um pouco mais satisfeita, entregou um envelope lacrado do hospital. Dentro, em maiúsculas letras, vinha atestado que a menor não era mais virgem. O casal, tímido, sentado na pequena saleta, deixou escapar um pequeno sorriso. A mãe, segurando o documento como se fosse uma carta de alforria, exclamou:
- "Nós conseguimos, graças a Deus!"
-"Graças a Deus, sim" - concordou a estagiária. Mas não graças a nós.! Não me inclua como responsável. Eu simplesmente aconselhei a senhora... e se falar para alguém, podem até pensar que eu induzi ou instiguei o defloramento.
A madura mãe, entendendo a colocação da estagiária, desculpou-se. O importante é que os conselhos dados tinham sido seguidos à risca e a empreitada tivera êxito. A filha foi deflorada, agora vai casar e o inibido casal - meio sem graça e sem jeito - convidou para amadrinhar o casamento justamente a estagiária. Ela, no íntimo, sabe que, indiretamente, contribuiu - não para a prática de um delito - para o casamento.
E viva o jeitinho brasileiro!
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(*) Colaboração de Eudes Quintino de Oliveira Júnior, procurador de Justiça aposentado, adaptada pela editoria do Espaço Vital.