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Publicado em 02.05.07
Por Maria Berenice Dias,
desembargadora do TJRS
Como os alimentos servem para garantir a vida e se destinam à aquisição de bens de consumo para assegurar a sobrevivência é inimaginável pretender que sejam devolvidos. Daí o princípio da irrepetibilidade. Outro princípio que rege a fixação dos alimentos é o da proporcionalidade, que tem por pressuposto as possibilidades do alimentante e as necessidades do alimentando.
O dever de prestar alimentos se propaga no tempo e as demandas revisionais são freqüentes. Credores e devedores buscam a majoração, a redução ou a exoneração dos alimentos, sempre sob o fundamento de estar rompida a regra da equidade de valores. Geralmente as ações vêm acompanhadas do pedido de tutela antecipada. Todos vêm a juízo alegando iminência de dano irreparável para obter liminarmente o direito reclamado.
Definido o valor dos alimentos em sede liminar, na medida em que aportam elementos probatórios aos autos, seu montante vai sendo redimensionado, para mais ou para menos. Os novos valores definidos a partir de novas provas impõem que o quantum fixado passe a valer desde logo.
Esta regra vale até quando a redefinição do valor dos alimentos é levada a efeito na sentença. Apesar do que dizem o art. 14 da Lei de Alimentos e o inc. II do art. 520 do CPC, a sentença, mesmo sujeita a recurso, tem efeito imediato. A apelação é recebida no duplo efeito: devolutivo e suspensivo.
Em face da natureza da obrigação, a lei empresta eficácia retroativa à sentença para aquém de seu trânsito em julgado: “em qualquer caso” efeito retroativo à data da citação (LA 13 § 2º). A regra, de singeleza ímpar, traz determinação clara. Existente a obrigação alimentar, não dá para livrar o réu do dever de prestar alimentos.
Na eventualidade de não terem sido fixados alimentos provisórios indispensável emprestar efeito retroativo à decisão que, de modo definitivo, quantifica a obrigação. No momento em que a decisão transita em julgado há a necessidade de seu adimplemento desde quando o réu tomou ciência da ação. Dita regra tem outra razão de ser. Não dispondo a sentença de eficácia ex tunc, ou seja, não passando a ser exigível o encargo desde a citação, claro que o réu terá todo o interesse em ver a ação arrastar-se, pois, enquanto não julgado o processo, simplesmente estaria livre do dever de pagar alimentos.
Toda esta lógica que salta aos olhos na ação de alimentos e na que busca majorar o encargo alimentar, não se sustenta nas ações de redução ou de exoneração de alimentos. Reduzido o valor da verba alimentar - ou fixados os alimentos definitivos em valor inferior à verba provisória - descabe emprestar efeito retroativo à sentença.
O mesmo se diga quando a sentença exclui o dever de alimentos. Emprestar efeito retroativo à sentença que reduz o seu valor ou excluir a obrigação afronta o princípio da irrepetibilidade do encargo alimentar.
Portanto, se a decisão final fixa alimentos em valor superior aos provisórios, o novo montante alcança todas as parcelas vencidas desde a data da citação. Mas isso só vale quando há majoração do encargo. Se houve o achatamento ou a exclusão dos alimentos, não dá para invocar o mesmo comando, pois não é possível determinar que alimentos sejam restituídos.
Assim, se a sentença fixa a pensão em valor menor que o estabelecido em sede liminar, o novo montante vale somente para as prestações futuras.
A regra do inc. II do art. 13 da Lei de Alimentos não tem aplicação quando o valor dos alimentos foi reduzido ou houve a exoneração do encargo alimentar. Prevalece o princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Portanto, achatado o valor dos alimentos ou extinta a obrigação, a decisão judicial não dispõe de efeito retroativo, não alcançando as parcelas vencidas e não pagas. Somente quando os alimentos são majorados, por meio de sentença transitada em julgado, é que se pode falar em efeito retroativo à data da citação.
Qualquer outra solução gera impasse absolutamente desarrazoado. Primeiro estimularia o devedor a cessar o pagamento dos alimentos ao intentar a ação de redução ou de extinção dos alimentos, aguardando o provável resultado positivo da ação. Igualmente, proposta execução, às claras que o devedor irá ingressar com ação revisional ou de exoneração, podendo requerer a suspensão da demanda executória até o julgamento da ação em que procura achatar ou excluir o encargo alimentar. Tudo isso para se beneficiar do efeito retroativo da sentença e deixar de pagar o valor devido.
A retroatividade aceita por alguns julgados sequer leva em conta a afronta ao princípio da igualdade, pois pune o alimentante que cumpre com o pagamento e beneficia o devedor inadimplente. Vetada a devolução das parcelas pagas, o que pagou não pode pleitear compensação ou cobrar as diferenças, enquanto aquele que se quedou em mora irá beneficiar-se com o descumprimento do encargo alimentar.
A justiça não pode compactuar com isso. Elementares princípios éticos não permitem.
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