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Publicado em 30.04.07
Por Eliakim Araújo,
O prezado leitor reparou como, há algum tempo, magistrados têm frequentado as primeiras páginas dos nossos jornais? Está virando rotina e isso não é um bom sinal, sobretudo porque não aparecem em notícias que os engrandeçam. Ao contrário, estão envolvidos num vasto emanhando de acusações que vão da venda de sentenças à concessão de benefícios a empresas para redução da carga de impostos.
É lamentável que isso ocorra exatamente entre aqueles que deveriam primar por um comportamento exemplar no ofício de distribuir justiça, uma função nobilíssima e quase tão sagrada quanto a de um sacerdote. Magistrados devem (ou deveriam) ter uma vida pessoal discreta. Por isso, quando viram notícia com essa frequência é porque alguma coisa não vai bem com o Poder Judiciário.
Foi-se o tempo em que, para ter acesso à carreira, os candidatos a juiz de direito deveriam, além de superar o rigor do exame de provas e títulos, reunir elevados atributos morais e, principalmente, possuir uma “ilibada reputação”.
Mas essa “ilibada reputação” parece coisa do passado e não faz parte do comportamento de um número crescente de magistrados que se valem do cargo para obter vantagens ilícitas. E não é preciso grande esforço de memória para lembrar os nomes de alguns desses corruptos que mancham a instituição como um todo, salpicando respingos nos profissionais honestos.
Com certeza o leitor deve se lembrar de muitos desses corruptos. Quem não se lembra, por exemplo, do ex-juiz Nestor José do Nascimento, do Rio de Janeiro. Esse chegou ao cúmulo de guardar drogas em seu apartamento para facilitar o tráfico.
Outro caso escabroso foi o que o envolveu os juizes federais em São Paulo, João Carlos da Rocha Mattos e Casem Mazloum. Nesse havia de tudo, desde venda de sentenças até formação de quadrilha, com envolvimento de policiais, voltada para a prática de crimes.
E o mais célebre de todos, o do juiz trabalhista Nicolau dos Santos Neto, o tristemente famoso juiz Lalau, condenado por desviar para a Suiça e Bahamas muitos milhões da obra do prédio do TRT em São Paulo. Só para citar alguns.
É certo que hoje, graças à eficiência investigativa da Polícia Federal, alguns magistrados têm sido punidos e afastados de suas funções. Poucos, ainda. A grande maioria se livra das acusações, utilizando-se do tradicional “jeitinho brasileiro” que funciona também no corporativismo de classe.
A velha discussão sobre o controle externo do Judiciário parece mais atual do que nunca diante de tantos descalabros. O Judiciário vive uma grave crise de credibilidade. Uma mudança de rumos é necessária e urgente, nem que para isso seja necessária a criação de algum mecanismo legal que defina os crimes de responsabilidade dos magistrados, pois o cidadão precisa voltar a confiar nos homens encarregados de fazer cumprir as leis.
Por ultimo, sobre o assunto, transcrevo e-mail que recebi do juiz trabalhista em São Paulo, Marcos Neves Fava. Ele tem uma visão otimista sobre os últimos acontecimentos envolvendo magistrados: “Feliz o país que pode ver na cadeia desembargadores, juízes, assessores de tribunais e năo estremecer, nem levemente, o funcionamento das instituiçőes. É parte da democracia”.
(*) E-mail - [email protected]
Artigo publicado originalmente em www.diretodaredacao.com - onde podem ser lidos, também:
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