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Publicado em 25.04.07
Por Paulo Sérgio Leite Fernandes,
advogado (SP)
Recentes acontecimentos envolvendo procedimentos policiais, no Rio de Janeiro e em São Paulo, atinentes a investigações sobre as pessoas e bens de desembargadores e juízes federais, teoricamente, envolvidos em comportamentos ilícitos, geram sentimentos contraditórios nos espectadores, uns aplaudindo, outros criticando as dramáticas medidas que violentam desde a porta de entrada até o banheiro dos suspeitos.
Não valeu, para minimizar os efeitos deletérios, determinação superior no sentido de se observar o segredo ou a discrição. Viram-se episódios quase burlescos: o prédio da Justiça Federal em São Paulo se tornou objeto da entrada de policiais muito bem armados e identificados com a sigla da divisão a que pertenciam. À saída, levavam computadores (os da vara, ou do gabinete vistoriado, com certeza), documentos diversos e adereços múltiplos.
Em residências, os apreensores teriam localizado dinheiros e jóias, carregando o montante. Juízes destinatários das buscas foram colhidos em estado de perplexidade, declarando, independente de serem ou não culpados, não saberem da origem daquela providência policial agressiva.
No Rio de Janeiro, houve a captura de magistrados, depois revogada. Ao redor, a magistratura nacional se põe em confusão, porque, no fim das contas, um juiz é um juiz, um desembargador é um desembargador. Deles devem emanar, quando for a hipótese, as ordens de coerção física, não o contrário.
Entretanto, respeitada a hierarquia, a suprema corte é a responsável pela ordem de prisão, valendo o mesmo, no contexto, para o Superior Tribunal de Justiça. Há, segundo noticiário rotundo, um ou outro advogado também posto na berlinda. Quanto aos últimos, a busca e apreensão em escritórios e a escuta clandestina em telefones e parlatórios já se tornaram uma rotina.
Os mandados de interceptação, de algum tempo a esta data, constituíam lugar comum nas pretensões policialescas referentes à advocacia. O grampeamento de telefones de desembargadores e juízes, no entanto, era feito com uma certa dose de pudor, pois, no fim das contas, a toga os protegia. No entremeio, um ministro do Superior Tribunal de Justiça, entrevistado, afirmou que a magistratura não é intocável, merecendo destaque, na violação, aqueles que fogem aos padrões de honestidade exigida na distribuição da justiça.
O assunto já se pôs esgotado, tantas foram as oportunidades em que a polícia visitou, provida de mandados adequados, os domicílios de representantes do Poder Judiciário, sem exceção da pesquisa nas dependências íntimas das casas.
De fato, a intocabilidade não é prerrogativa daqueles seres humanos diferenciados. Exemplo marcante de perda da imaculabilidade foi ofertado na França, alguns anos passados, na própria Corte Constitucional, quando um magistrado ali entranhado se deixou seduzir por uma parisiense de escol, disso resultando procedimento penal por desvio de dinheiros públicos. A derivação do ser humano para condutas infracionais, verídicas ou não, é assim: “Cherchez la femme”.
Há motivos outros, é certo, mas, exceção feita aos chamados crimes puros (aqueles de sangue, motivados pela paixão), a ambição, a cupidez, a compulsão pelo aprimoramento das algibeiras, enfim, constituem os padrões básicos de geratriz de suspeitas contra cidadãos colocados desde o caixa da mercearia até os postos mais importantes da nação.
De qualquer forma, a captura de magistrados e a expedição de mandados de prisão contra membros do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil é uma ríspida demonstração de que existem núcleos de poder buscando o restabelecimento da confiança do povo na mística roupagem que sempre enobreceu a magistratura.
Começou-se a usar, partindo do primeiro escândalo judiciário, a expressão “cortar na própria carne”. Isso significa, para bons e maus entendedores, uma espécie de açoitamento, vertendo-se o próprio sangue na tentativa de purificação. Cuida-se, evidentemente, de procedimento moralizador, embora, para tanto, um juiz da Suprema Corte precise autorizar medidas levadas a efeito nos porões escuros da telecomunicação, atividade que, embora autorizada em lei, não condiz com os princípios éticos norteadores do bom proceder.
Nisso tudo resta uma contrição extremada porque, na Lei Orgânica da Magistratura, o magistrado preso deveria ser imediatamente apresentado ao presidente do tribunal a que esteja vinculado. Mais ainda, mereceria recolhimento à Sala Especial de Estado Maior. Além disso, poderia o magistrado portar arma de defesa pessoal. Os atos censórios sobre condutas inadequadas de juízes devem ser exercidos –e não foram - com resguardo à dignidade do investigado. E por aí vai ...
Assustado com a divulgação maiorizada dos atos de coerção física sobre magistrados, o presidente de uma entidade de classe lançou nota solicitando respeito à condição dos juízes postos na berlinda. Não se animou a mais. No entrechoque da perseguição e da resistência, restou a um desembargador posto em liberdade a reação advinda num sonoro palavrão.
E se quisesse ser mais ouvido, não encontraria eco na imprensa, porque, no momento político-ideológico vertente, a contradição a acusações tais, jorradas a catadupas, é impossível. Inexiste no Brasil, embora já prevista na doutrina, a ativação do desmoralizado estado de inocência.
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