Romance forense - O galo esquizofrênico ameaçado


20.04.07 |

O artigo 409 do Código de Processo Civil estabelece que o juiz da causa, quando for arrolado como testemunha “declarar-se-á impedido, se tiver conhecimento de fatos, que possam influir na decisão”. O dilema da juíza do JEC de Paracambi (RJ), foi parecido. Ela se negou a julgar uma ação que envolve a performance e os incômodos causados por um galo, que ela desconfia ser a mesma ave que, por noites seguidas, prejudicou seu sono. 
 
“Esta magistrada nutre um sentimento de aversão ao referido galo e, se dependesse de sua vontade, ele já teria virado canja" - escreveu a juíza, na decisão em que admite que o galináceo a incomoda há muito tempo e que, por isso, ela não teria como apreciar o pedido com imparcialidade.
 
A ação judicial - que passou a ser conhecida no pequeno foro como "o processo do galo" - contém uma reclamação apresentada por Jorge Luis Marques Pinto contra Mário Lúcio de Assis, dono do galináceo. O cidadão Pinto verbera contra Lúcio, o dono do galo, ante a insistência da ave em cantar repetidamente durante todas as madrugadas, de segunda a domingo, nas quatro estações do ano. 
 
O drama noturno do cidadão Pinto é o mesmo pelo qual passou a juíza, quando dormiu na casa de amigos, na pequena cidade. Na decisão em que declara sua suspeição para julgar, a magistrada dá seu relato: "nos dias úteis, pernoito em Paracambi, sendo que usualmente em hotéis. Por cerca de três ou quatro vezes,  pernoitei na casa de amigos situada na rua Vereador Antonio Pinto Coelho, que fica a cerca de 50 metros da rua Kardec de Souza, nº 885, ocasiões em que não conseguiu dormir porque um galo cantarolou, ininterruptamente das 2h às 4h30 da madrugada, o que causou perplexidade, já que aves não cantam na escuridão, com exceção de corujas - e, ademais, o galo parou de cantar justamente quando o dia raiou".
 
Com argúcia rente aos fatos da vida, a juíza desde já define o galo que a atormentou como "esquizofrênico". E confessa que "nutro um sentimento de aversão ao referido galo e, se dependesse de minha vontade, ele já teria virado canja há muito tempo".  Por esta razão, ela não tem como apreciar, com imparcialidade, o pedido de indenização feito pelo vizinho molestado. 
 
Por isso, mandou redistribuir a ação ao juiz substituto de tabela. Aproveitou para deixar um recado: "esta magistrada se coloca à disposição para ser testemunha caso seja necessário".
         
Na comarca, o diz-que-diz-que agora é que o galo estaria por ingressar com pedido de habeas corpus preventivo. Ele pediria liminar para evitar que uma condenação transformando-o em repasto para a sopa dos pobres da cidade.
 
Em síntese: não quer virar canja de galo...