Voyeurismo no vestiário feminino de loja do Shopping Praia de Belas


16.04.07 | Dano Moral

A iniciativa de um gerente das Lojas C&A de instalar câmara de vídeo para monitorar o vestiário feminino da loja situada no Shopping Praia de Belas, em Porto Alegre (RS), resultou na condenação da empresa ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 45 mil a uma vendedora.

A sentença, da 2ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, foi mantida pelo TRT da 4ª Região (RS) e, na semana passada,  pelo TST, que negou provimento a agravo de instrumento da empresa.

Embora a C&A Modas Ltda. insistisse na tese de que "o gerente agiu por conta própria, sem seu conhecimento e autorização", a relatora do agravo de instrumento no TST, juíza convocada Maria do Perpétuo Socorro Wanderley, afirmou que "o ato praticado por preposto, no local de trabalho e no exercício de suas funções acarreta a responsabilidade objetiva do empregador".

A vendedora começou a trabalhar na C&A em março de 2000. Entre julho e outubro de 2003, começou a desconfiar de certas atitudes de funcionários da gerência, que passaram a trocar de roupa dentro do box do chuveiro, e não mais nos corredores do vestiário, como era de costume.
Pouco depois constatou que suas colegas haviam constatado a existência de uma câmera de vídeo camuflada no teto do vestiário.

Seguindo a fiação até a sala de ar condicionado - acima dos vestiários, onde estavam escondidos o monitor e o aparelho de vídeo-cassete - as empregadas constataram, também, a existência de várias fitas e outra linha de cabos que, aparentemente, se destinava ao vestiário masculino.

Na época, a empregada reclamante,  além da utilização normal do banheiro, também tomava banho e trocava de roupa no local.

Segundo ela, os funcionários sabiam apenas dos locais onde havia monitoramento na loja (caixas, escadas rolantes etc.), não sendo avisados da instalação de câmeras nos banheiros.

Além do constrangimento gerado às funcionárias filmadas em situações íntimas, a inicial da reclamação trabalhista informa que "surgiram, por parte de superiores, comentários ousados sobre suas roupas íntimas, sobre as condições físicas e até mesmo sobre depilação".

O fato deu origem à fiscalização do Ministério do Trabalho, ao registro de uma ocorrência policial e ao ajuizamento de uma ação cível. A Justiça Comum declinou da competência para a Justiça do Trabalho. Na contestação, a C&A disse que, em março de 2004, ao tomar conhecimento dos rumores sobre a existência das gravações, abriu processo interno para apuração dos fatos.

Segundo a empresa, "o gerente de operações da loja, diante de diversas reclamações de funcionárias a respeito de furtos de objetos pessoais no vestiário feminino, decidiu, por sua conta e com recursos próprios, instalar a câmera de vídeo para flagrar e punir as autoras de furtos".

A loja ressaltou que essa explicação foi apresentada pelo próprio gerente, “não podendo afirmar que esta seja a verdadeira ou única motivação de sua conduta”.

O equipamento teria sido adquirido de um vendedor de produtos eletrônicos de espionagem. O monitor e o aparelho de vídeo-cassete eram de propriedade da empresa. A C&A alegou que o sistema teria operado por apenas dois dias.

Para a empresa, a responsabilidade pela reparação de eventuais danos recorrentes da instalação deveria ser atribuída exclusivamente ao gerente, “que de forma consciente e dissimulada, agindo fora dos limites do trabalho que lhe competia, e se utilizando de meios escusos para alcançar seu fim, assumiu os riscos de sua conduta.”

A Vara do Trabalho fixou em R$ 60 mil o valor da reparação por danos morais, diante da gravidade do fato. Para a juíza, “este único ato – instalação de câmeras – já é passível de indenização. A existência de fita de vídeo comprovando e exibindo as imagens agrava ainda mais a situação. E a exposição a situações constrangedoras e vexatórias decorrentes das piadas provenientes dos colegas que assistiram à fita é de gravidade sem tamanho”.

O TRT manteve o entendimento no sentido da existência do dano, mas reduziu o valor da condenação para R$ 45 mil.

No julgamento do agravo de instrumento no TST, a relatora ressaltou que a preservação da intimidade é um bem juridicamente tutelado, inserido entre os direitos fundamentais previstos na Constituição. “O ato foi vinculado não apenas ao local de trabalho e às funções, mas encontrou, nessas funções, o meio para a sua realização e a justificativa engendrada para lhe atribuir a finalidade de defesa do patrimônio da empresa”, afirmou o voto.

“Trata-se da responsabilidade objetiva do empregador, a cujo serviço e ordens e em cujo nome o empregado e o preposto agem, por força da investidura de poderes expressos ou tácitos que advêm de seu cargo – o que, nos termos do artigo 933 do Código Civil, atrai a responsabilidade pelo ato do terceiro, ainda que não haja culpa do responsável”, concluiu.

O advogado Luciano Brasil Ferreira atuou em nome da reclamante. (AIRR nº 00730/2005-002-04-40.9 - com informações do TST e da redação do Espaço Vital ).