Operadora de plano de saúde é condenada a reparar danos pelo rompimento de contrato sem aviso prévio


24.01.20 | Consumidor

Em razão do descredenciamento de uma clínica de fisioterapia sem que os consumidores e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fossem notificados com pelo menos 30 dias de antecedência – conforme previsto pelo artigo 17 da Lei 9.656/1998 –, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou uma operadora de plano de saúde do Rio de Janeiro a reparar todos os prejuízos sofridos pelos segurados – tanto materiais quanto morais –, os quais deverão ser comprovados pelo Ministério Público e pelos interessados na fase de liquidação de sentença. O colegiado também determinou que a operadora observe os requisitos legais para o descredenciamento de seus prestadores de serviços, sob pena de multa diária de 5 mil reais.

O recurso julgado teve origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra a operadora pelo descumprimento das normas de descredenciamento. Os pedidos do MP foram julgados improcedentes em primeiro grau, pois a juíza considerou que, apesar de ter havido desrespeito aos pressupostos legais, a operadora realizou aditivos contratuais com outras clínicas após a instauração do inquérito civil, e não teria havido comprometimento dos serviços que eram prestados pela clínica descredenciada.

A sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que negou o pedido de condenação por danos morais coletivos feito pelo MP contra a operadora. Em relação aos danos morais e materiais individuais, o TJRJ entendeu que a ação coletiva proposta pelo MP não era a via processual adequada. Para o tribunal, tais danos deveriam ser apontados e apurados, se fosse o caso, mediante produção de prova da sua existência em cada caso, procedimento que ultrapassaria a mera liquidação individual de uma sentença coletiva.

Além disso, a corte fluminense entendeu que não poderia ser acolhido o requerimento do Ministério Público para que o plano somente substituísse seus prestadores de serviços mediante comunicação prévia aos beneficiários, pois considerou que o pedido deveria ser certo e determinado, não podendo ser admitido pleito condicionado à implementação de ato futuro. O relator do recurso do MP no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou que a própria natureza da ação civil pública possibilita um pedido mais abrangente, pois sua eficácia depende de execução específica, e sua finalidade é restabelecer a situação jurídica ao seu status anterior.

No caso dos autos, o relator apontou que a operadora do plano de saúde deixou de observar os requisitos legais para o descredenciamento de seus prestadores de serviço, de forma que um dos objetivos da ação civil pública é evitar que novos ilícitos sejam perpetrados pela ré, o que justifica a intervenção do Poder Judiciário e demonstra a determinação e a certeza do pedido.

Para o ministro, os pedidos – imediato (condenação) e mediato (obrigação de fazer) – formulados pelo MP, quanto à substituição de prestadores de serviços somente após a comunicação aos beneficiários e quanto à realização de aditivo contratual, sob pena de multa diária, "preenchem os requisitos dos artigos 322 e 324 do Código de Processo Civil de 2015, quanto à sua certeza e determinação, bem como observam o princípio da adequação da tutela jurisdicional". Em relação ao dano moral coletivo, Bellizze apontou jurisprudência do STJ no sentido de que a constatação desse tipo de dano se dá in re ipsa, ou seja, independentemente da comprovação de dor, sofrimento ou abalo psicológico. Entretanto, ponderou, a sua configuração somente ocorrerá quando a conduta antijurídica afetar, de maneira intolerável, os valores e interesses coletivos fundamentais, para que o instituto não seja tratado de forma trivial, especialmente em decorrência da sua repercussão social.

Nesse sentido, o relator afirmou que "a conduta perpetrada pela ré, a despeito de ser antijurídica, não foi capaz de abalar, de forma intolerável, a tranquilidade social do grupo de beneficiários, assim como os seus valores e interesses fundamentais, já que não houve interrupção no atendimento do serviço de apoio médico, ainda que realizado por outras clínicas, bem como houve o cumprimento das exigências legais para o descredenciamento no transcurso da presente demanda".

Marco Aurélio Bellizze ressaltou que, em razão da múltipla titularidade dos direitos individuais defendidos em ação civil coletiva e das diversas maneiras como a lesão ao direito pode se apresentar para cada um de seus titulares, é impossível que a sentença coletiva estipule todos os elementos necessários para tornar o título judicial imediatamente executável. "Há, desse modo, no âmbito da sentença genérica, deliberação sobre a existência de obrigação do devedor (ou seja, fixação da responsabilidade pelos danos causados), determinação de quem é o sujeito passivo dessa obrigação e menção à natureza desse dever (de pagar/ressarcir; de fazer ou de não fazer, essencialmente)."

Dessa forma, disse o relator, será no momento da liquidação da sentença genérica que os interessados deverão comprovar, individualmente, os efetivos danos que sofreram, bem como a qualidade de vítima, integrante da coletividade lesada pela conduta ilícita reconhecida em sentença. Além disso, o ministro enfatizou que a sentença genérica, uma vez configurado o caráter ilícito da conduta discutida, deve reconhecer a responsabilidade da demandada sem especificar se implica danos materiais ou morais, já que tal delimitação, assim como a comprovação, deverá ser feita pelos interessados na fase de liquidação.

"Em conclusão, verificado o proceder ilícito da recorrida, reconhece-se a procedência do pedido de reparação de todos os prejuízos suportados pelos segurados advindos da conduta considerada ilegal, sem especificar qual espécie de dano – a ser devidamente alegado e comprovado pelo interessado na fase de liquidação de sentença, garantido o contraditório", afirmou Bellizze ao dar parcial provimento ao recurso do MP.

Fonte: STJ