Os magistrados da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS) mantiveram a condenação de uma empresa de Caxias do Sul por não transportar um menino com paralisia cerebral. O motorista obrigou a família a descer do veículo. Os autores serão indenizados em 20 mil reais por danos morais. Com a morte do menino durante o processo, os pais irão dividir o valor.
O fato ocorreu em 2014, quando o menino tinha 3 anos de idade. Ele havia terminado uma sessão de tratamento na APAE de Caxias do Sul e, segundo o pai, um dos autores da ação, a família esperou por mais de uma hora na parada de ônibus para que chegasse um veículo adaptado para deficientes físicos. Diante da demora, o pai decidiu entrar com o menino no colo em um coletivo sem adaptação. Eles se sentaram em um banco na parte da frente do ônibus, reservado para pessoas com deficiência. De acordo com o relato, o motorista teria informado que além de ser contra as regras de trânsito, a ordem da empresa era não conduzir deficientes físicos em ônibus sem adaptação.
Ele, então, solicitou ao passageiro para descer e esperar outro veículo adaptado. Inconformado, o pai disse que eram poucos veículos adaptados, e por causa da demora iria naquele veículo, alegando que não poderiam mais esperar, pois o menino tomava medicamentos contínuos. O motorista insistiu e parou o ônibus, obrigando que eles descessem. O pai do menino ligou para a Brigada Militar. A direção da empresa VISATE, informada sobre a ligação, enviou um veículo especial ao local para transportar o menino. Com a chegada dos policiais, o autor desceu do coletivo e foi encaminhado com o motorista à delegacia. Os autores pediram indenização em valor superior a 300 salários mínimos e que a empresa fosse obrigada a adaptar todos os ônibus.
A empresa se defendeu dizendo que o autor da ação estava muito exaltado ao entrar no ônibus. O motorista teria ligado para empresa para relatar o fato e a orientação seria para que ele dirigisse até a garagem, onde um ônibus adaptado levaria a família para casa. Mas, ao chegar na garagem, o autor teria se negado a descer e trocar de ônibus. Só após a chegada dos policiais a família teria desembarcado, e o menino, conduzido pela mãe para casa em um ônibus adaptado, enquanto o pai e o motorista iam para a delegacia. A empresa também alegou que os autores não esperaram por uma hora porque teriam passado pelo local dois ônibus com elevadores de embarque e desembarque. E afirmou que dos 340 ônibus da frota, 215 já são adaptados, o que cumpriria a legislação que rege a matéria.
O juiz de direito, Ricardo Luiz da Costa Tjader, afastou o pedido para adaptação em todos os ônibus sob o argumento de que os autores não têm legitimidade para formular pedido de caráter coletivo, que ultrapasse o limite específico e pessoal de suas próprias pessoas. Ele destacou: "As normas referentes à acessibilidade existem em prol das pessoas com necessidades especiais (art. 1º da Lei 13.146/2015) e não em prol das empresas de ônibus (ou de outros prestadores de serviços), não tendo a empresa direito a impedir que alguma pessoa com necessidade especial utilize seus ônibus normais. Se o responsável pela pessoa com necessidade especial quer se utilizar do ônibus normal, renunciando ao seu direito de utilizar ônibus adaptado, não pode a empresa exigir que eles descessem do ônibus para que utilizem veículos preparados para cadeirantes."
Na decisão, o julgador ainda esclareceu que o fato de o motorista exigir, conforme prova testemunhal, que os autores abandonassem o ônibus para esperar o ônibus com condições especiais caracteriza nítido e evidente descumprimento do artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, que estabelece que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude de lei, especialmente pela inexistência de norma legal que impeça pessoas com deficiência de utilizar ônibus comum. De acordo com o magistrado, mesmo que eles estivessem por apenas um minuto na parada de ônibus, eles tinham direito de usar o ônibus comum para o transporte do menino. "Dessa forma, mostra-se presente o agir ilegal da empresa autora e também o dano não material sofrido pelos autores, que passaram vários minutos sofrendo a tentativa do motorista de lhes expulsarem do interior do ônibus que deveria lhes transportar de forma normal e tranquila ao destino desejado."
Por fim, a empresa foi condenada a pagar 20 mil reais de indenização por danos morais, sendo metade para cada um dos autores. No decorrer do processo o menino faleceu, e por isso a parte dele deverá ser dividida igualmente entre os pais. Os autores apelaram ao Tribunal de Justiça, pedindo aumento do valor da indenização. Já a empresa recorreu sob o argumento de que não há comprovação de ação ou omissão culposa da empresa. E que as testemunhas devem ser desconsideradas por serem vizinhos e amigos dos autores. O desembargador, Niwton Carpes da Silva, proferiu voto em favor da família. Segundo ele, para evitar dissabores e constrangimentos, era responsabilidade da empresa instruir o motorista sobre o tratamento diferenciado a ser dado aos autores, considerando se tratar de criança pequena, portadora de paralisia cerebral e que usava o transporte coletivo para tratamento de saúde.
O magistrado confirmou os danos morais pela falha na prestação do serviço e pelos constrangimentos que a família passou. Ele votou por manter a sentença e o valor da indenização. A juíza de direito, Marlene Marlei de Souza, e o desembargador, Luís Augusto Coelho Braga, acompanharam o voto do relator.
Proc. nº 70079600342
Fonte: TJRS