A 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) declarou que uma empresa é responsável solidária pelas verbas trabalhistas não pagas a uma ex-empregada de uma empresa fornecedora. A reclamante era costureira e atuou entre novembro de 2010 e fevereiro de 2016 em uma indústria de calçados, empresa da qual a matriz comprava calçados prontos, a fim de comercializá-los em sua rede de lojas. A decisão do colegiado confirma a sentença do juiz André Vasconcellos Vieira da 3ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo. A matriz já recorreu da decisão ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Em sua defesa, a matriz alegou que mantinha uma relação comercial com a empresa que ela comprava calçados, não podendo ser responsabilizada por valores devidos à autora. Afirmou que comprou mercadorias prontas e acabadas da fornecedora, não sendo o caso de terceirização. Acrescentou que não atua no ramo de industrialização de calçados, informando que, "depois de criar um produto ou coleção, busca no mercado indústrias dedicadas à produção de calçados e que são capacitadas para a confecção dos produtos". O relator do acórdão na 3ª Turma, desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, transcreveu o objeto social da empresa, disponível nos autos. O texto cita que a companhia tem por objeto social “a modelagem e o comércio de artigos de couro e de plástico em geral, incluindo sapatos e calçados de qualquer natureza e espécie, industrialização e comercialização de artigos e vestuário de qualquer natureza e uso”, além de industrialização e comercialização de diversos outros tipos de produtos e a prestação de diferentes serviços.
No voto, o relator reconhece que não existe, no objeto social da empresa matriz, a previsão da atividade de industrialização de calçados. Destaca, contudo, que a expressão "calçado" constitui uma espécie de peça de vestuário com finalidade primária de proteger os pés do meio ambiente. Logo, no seu entendimento, se a empresa industrializa vestuário, industrializa calçados. “A consideração feita acima, apesar de ser razoável (conforme entende este Relator), pode não atender à melhor técnica, sobretudo levando-se em conta as práticas de organização do ambiente empresarial, as quais realmente desconheço. Todavia existe outro ponto muito mais importante. Como visto, a recorrente tem vasto objeto social, com atividades que compreendem desde a 'industrialização e comercialização de artigos e vestuário de qualquer natureza e uso' e a 'modelagem e comércio de artigos de couro' até a venda de combustíveis em geral, aparelhos eletrônicos, barracas, animais vivos e massas alimentícias. Todavia, entende por não industrializar calçados. Produz outras peças de vestuário (se admitida a distinção pretendida pela recorrente), pode vender televisões, gasolina e bovinos, mas não industrializa calçados, justamente o produto pelo qual é mais conhecida”, ponderou Alexandre Cruz.
O magistrado também sublinhou que a empresa matriz é uma empresa de grande sucesso, empregadora de diversas pessoas. “E, se tem sucesso, é porque tem lucro, o que é fundamental para qualquer atividade econômica, isso é óbvio (se não há lucro, não há indústria, não há emprego, não há renda). E essa necessidade de maximização do lucro, concluo, fundamenta a prática de não produzir os calçados (e aí também se inclui, por exemplo, a atividade de beneficiamento do couro). Transfere-se a atividade a terceiros, pessoas jurídicas mais frágeis, as quais frequentemente vêm a falir, notadamente por suportar a parcela menos rentável do processo. Em um Estado Social e Democrático de Direito - caso do Brasil - os ganhos não podem ficar concentrados, mas repartidos com todos os participantes da cadeia produtiva, a começar pelo próprio trabalhador, mas isso não ocorre no caso apreciado”, acrescentou o desembargador.
Diante disso, o relator concluiu que a empresa matriz, ao não incluir em seu objeto social a industrialização de calçados de forma expressa, contratando terceiros para desempenho dessa atividade, não pode se esquivar das responsabilidades oriundas dessa escolha sob o argumento de que os contratos firmados teriam natureza comercial. “É, sim, atividade relacionada com suas finalidades empresariais e, portanto, deve ser responsabilizada”, afirmou. O voto foi acompanhado pelos demais integrantes da 3ª Turma, desembargadores Maria Madalena Telesca e Luis Carlos Pinto Gastal.
O desembargador Alexandre ainda esclareceu no voto que as disposições da Lei nº 13.467/17 (Reforma Trabalhista) não são aplicáveis ao processo, pois o contrato de emprego da reclamante extinguiu-se antes da entrada em vigor da nova legislação.
Processo nº 0020122-06.2016.5.04.0303
Fonte: TRT4