Confira o artigo do presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, publicado na edição desta sexta-feira (11) no jornal Folha de S.Paulo.
O dia da advocacia - Claudio Lamachia - Presidente nacional da OAB
Nesses quase 30 anos de vigência da atual Constituição, não foi possível acabar inteiramente com o fosso entre o texto legal e o mundo real. Qual brasileiro nunca se deparou com ironias sobre a distância entre a teoria, o que está no papel, e a prática? Num cenário de grave crise institucional, chegamos ao nível mais baixo de apreço às normas quando um dos principais órgãos de fiscalização da lei propôs liberar o uso de provas e métodos ilegais de investigação e também a restrição do habeas coreus. Neste 11 de agosto, Dia da Advocacia, é preciso celebrar o trabalho dos advogados que se empenham, todos os dias, pela aplicação correta da lei, zelando pelo fim do abismo entre o texto e a prática.
É desse esforço cotidiano que resulta a manutenção dos pilares republicanos e democráticos sobre os quais foi reerguido o Estado brasileiro na redemocratização. Presenciamos, agora, um ministro de Estado defender a prática criminosa de grampear conversas entre advogados e clientes. É fato que o incentivo dado às violações contra a advocacia surte resultados nefastos. Um episódio recente, e muito triste, foi a morte do advogado catarinense Roberto Caldart, agredido por policiais enquanto atuava em defesa de seus clientes. Uma das funções da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é atuar em defesa das prerrogativas profissionais —elas servem, objetivamente, para assegurar os direitos de todos os cidadãos que buscam a Justiça ou são acionados judicialmente. Cabe repetir à exaustão que não se combate o crime cometendo outro crime.
Trata-se de um recado válido para este momento em que são registradas, por exemplo, conduções coercitivas feitas sem que o conduzido sequer tenha sido previamente intimado, como manda a lei. Os desafios cada vez mais complexos impostos à advocacia exigem do profissional, mais do que nunca, uma formação teórica robusta e multidisciplinar, espírito crítico, rigor ético e solidariedade. Só assim nossa profissão pode fazer frente aos desafios que lhe são impostos. Por isso, é cobrado alto padrão de qualidade das instituições de ensino e preparo dos bacharéis interessados em exercer a profissão.
A sociedade precisa ser servida de forma qualificada. E orgulho para qualquer advogado integrar a OAB, maior entidade civil brasileira, e representar os mais de 1 milhão de colegas. A estrutura democrática da ordem permite, por exemplo, consultas como as que realizamos em 2016 e em 2017 sobre a possibilidade do impeachment de Dilma Rousseff e de Michel Temer. Por meio de seus representantes legitimamente eleitos, a quase unanimidade da advocacia concluiu que, nos dois casos, houve crime de responsabilidade.
Trabalhar em favor da lei significa não abrir mão de que toda e qualquer pessoa, seja quem for, tenha acesso à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal. Significa ainda não aceitar que o destino do país seja trilhado de maneira torta sob a batuta de quem não está integralmente compromissado com o interesse público. O Brasil precisa de líderes acima de qualquer suspeita. As instituições públicas não devem servir de escudo aos que enfrentam acusações. A advocacia tem mostrado que acredita no Brasil.
Por isso, a classe tem trabalhado, por meio da OAB, pelas reformas de que o país precisa, sempre dizendo não à corrupção. É preciso, por exemplo, uma reforma política radical, uma redução drástica no foro privilegiado e tornar mais efetivo o combate ao desperdício de dinheiro público. Não se pode aceitar, contudo, a aprovação de reformas a esmo, sem debate, apenas para salvar o grupo que, momentaneamente, está no poder. Isso seria o mesmo que não fazer reforma alguma.
Fonte: OAB/RS