“Minha família tem Brasão, eles vieram da Áustria e da Itália. Eles não vieram de navio escravo, não é dessa “linha” de Silva e Sousa”, disse um comunicador e apresentador de um programa TV. Essa frase repercutiu e causou revolta. E para discutir A Influência da Mídia na Disseminação do Preconceito, a OAB/RS reuniu, na noite de quinta- feira (07), no auditório da seccional gaúcha, personalidades importantes de renome no Estado.
Na abertura do painel, a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/RS, Beatriz Peruffo, falou da importância de realizar o evento. “A forma mais eficaz de combater a intolerância e o preconceito disfarçado de opinião ou de piadas e minimizar o efeito da disseminação na mídia é respeitar as diferenças com empatia”, disse.
Nessa mesma linha, o presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB/RS, Leonardo Vaz, destacou que a mídia tem um papel fundamental no combate ao preconceito, entretanto muitas vezes isso não acontece. “Presenciamos, ao longo dos anos, uma disseminação de discursos e condutas preconceituosas. A sociedade vem denunciando e a mídia em geral vem tomando consciência disso, e o papel que a mídia exerce é fundamental para isso”, frisou. Assim como também salientou a presidente da Comissão dos Direitos Humanos Sobral Pinto da OAB/RS, Neusa Maria Rolim Bastos reforçou que existe, sim, o racismo e que é preciso discuti-lo. “Nós vivenciamos isso no dia a dia. Quem fala que não precisa de cotas não sabe o que é discriminação e não sente isso na pele. Temos que trazer mais esses debates para mídia e divulgar muito sobre essa questão”, acrescentou.
A jornalista e presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (COMDIM), Vera Daisy Barcellos, abriu o painel e colocou a questão do racismo como um fator estruturante da desigualdade da população. “É claro que isso transita na mídia como um todo e no mundo digital que vivemos. É um conjunto, o preconceito, a discriminação e racismo, mas o racismo é um fator muito forte na sociedade brasileira e isso aparece muito bem nos veículos de comunicação. O racismo dói, adoece e mata. Não basta termos um negro na novela das nove, por exemplo, e que na maioria das vezes é de pouco destaque. Na mídia impressa, televisão e radiofônica é muito comum a negação da existência do racismo. Temos que ter uma modificação desse pensamento na mídia desse país”, reforçou.
Dando continuidade na abordagem do assunto, o educador físico e comentarista de arbitragem do Grupo RBS, Márcio Chagas, ressaltou as questões sobre preconceito e racismo. Ele relatou o episódio que aconteceu com ele no dia 05 de março de 2014, quando esteve envolvido em um caso de racismo na edição do Campeonato Gaúcho daquele ano. Após a partida entre Esportivo e Veranópolis, ele encontrou bananas em seu carro, que também foi danificado por torcedores do clube de Bento Gonçalves. O caso foi parar na Justiça Desportiva.
“Vemos muito pouco negros na televisão, onde estão, já que somos 56% da população? Eu posso dizer que vejo em comerciais em época de carnaval, comerciais de cerveja ou alguma propaganda institucional de bancos, embora sempre estereotipados. Nunca vi uma família negra fazer comercial de margarina, por exemplo”, abordou. Ele ainda lembrou sobre o negro ser estereotipado na televisão. “Quando eu era criança eu lembro muito bem do programa dos Trapalhões e o personagem negro era o Muçum: engraçado, bêbado e que falava errado. E então todo preto no colégio era Muçum, como se isso fosse um rótulo positivo”, disse.
O comentarista de futebol ainda salientou sobre a questão das cotas raciais. “Não vemos muitos negros em determinadas áreas profissionais como Odontologia, Medicina ou Direito. Enquanto a gente não se vê em determinadas áreas de poder, não vamos nos identificar. O fato da afirmação deve ser trabalhado também nas escolas, nas séries iniciais. Isso deve ser trabalhado como a afirmação de ser negro”, finalizou.
Já o jornalista do grupo RBS, Manoel Soares, fez um relato emocionante. Ele falou sobre a sua criação, infância e sobre o preconceito que sofreu. “Eu aprendi a ser negro com as minhas cicatrizes e minha identidade. Eu descobri que era negro, um pouco antes dos 10 anos. Um menino disse que não me queria no time de futebol por que eu era preto. Isso me chocou”, revelou. Ele ainda afirmou que “a mídia é racista por que moramos num país racista e o racismo é a pior doença que se pode ter. Os menos afetados pelo racismo somos nós pretos”, disse após mostrar uma peça publicitária onde um homem negro é "lavado" em uma máquina de lavar roupas e passa a se parecer com um homem asiático de pele clara.
“Ninguém sabe o que é ser preto se tem a pele clara, desculpa, mas não tem como discutir isso. Existem escalas de racismo. Todo mundo carrega um grau de racismo dentro de si, mesmo nós mesmos. Se admitir racista é uma verdade mais inconveniente que nós temos. Ninguém quer se admitir racista”, desabafou o jornalista.
Para finalizar a discussão da noite, o psicólogo Rogério Mesquita enfatizou sobre a força da mídia no cotidiano. “A mídia tem muita força em relação às pessoas nos núcleos familiares e em cada indivíduo. Ela teve um papel muito importante em aumentar a divulgação da representatividade das minorias, de diferenças sexuais, de gênero e raça”, reforçou. O psicólogo ainda constatou que é muito tênue a linha que divide e que promove a diversidade, pois pode reforçar o preconceito. “A mídia pode estar fazendo algo a favor ou contra. Isso depende muito da ótica como a situação é exposta. De um modo em geral, a mídia tem que ter cuidado em abordar isso. Como, por exemplo, se pensarmos em uma novela, casais héteros se beijam e se agarram com naturalidade, mas se tem casais gays é algo muito superficial, não é coerente com a realidade”, afirmou.
Vanessa Schneider
Jornalista MTE17654
Fonte: OAB/RS