Nascer de novo: advogadas transgêneras falam sobre processo de retificação de registro


14.11.16 | Advocacia

“Quando tu mudas o teu gênero, tu estás assumindo aquilo que a tua alma sempre pediu”, relata a advogada transgênera, Ana Luiza do Canto, 43 anos. Ela, que também é membro da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB/RS, teve uma boa notícia nesta semana: ganhou a retificação do nome social e gênero em seus registros. Pensando nisso, a OAB/RS promove neste domingo (13), na Parada Livre, em Porto Alegre, orientações sobre o assunto e sobre direitos da população LGBTI.

Ana, mesmo sem apoio, obteve êxito no processo no Tribunal de Justiça do RS (TJ-RS). Ela pretende ainda iniciar o procedimento para retificação dos dados também na carteira da OAB.

A advogada iniciou sua transformação há dois anos. “Hoje em dia, a sociedade aceita ter uma filha lésbica ou um filho gay, mas ter um filho transgênero é muito doloroso”, exemplifica. Ela ainda conta que recorreu aos estudos para lidar com a situação: “Dediquei minha vida inteira aos estudos, me escondendo em uma capa falsa de uma pessoa que eu não era. Me formei em direito, jornalismo e artes plásticas em Nova Iorque, fiz mestrado em Direito Internacional e seis pós graduações”.

Atualmente, a 8ª Câmara do TJ aplica a mudança tanto no nome social quanto no gênero, mesmo sem cirurgia. No caso de Ana Luíza, nome inspirado na tetravó, o processo foi reconhecido por unanimidade e iniciou na Defensoria Pública. “Eu fiquei muito emocionada, pois só estão admitindo uma coisa que eu sempre fui: mulher. Pra mim, estar confirmando meu sexo é a maior mudança; aquela pessoa não existe mais. Eu sempre brinco que tinha um irmão gêmeo que faleceu e não volta mais”, diz.

No entanto, a alteração de registro ainda é um tema polêmico. No caso da também advogada Luísa Helena Sern Lentz, 53 anos, o processo foi feito em duas etapas: primeiro a mudança de nome e depois, em outro procedimento, a mudança de gênero. “É como nascer de novo. Em todo o processo de transformação, a mudança nos documentos é mais importante até do que a cirurgia”, conta.

Ela conta que nunca sofreu negativas em relação à profissão e que mudou o nome na carteira da OAB logo que passou no exame, porém afirma que não trabalharia como advogada se não tivesse conquistado esse direito. “Não estaria exercendo a advocacia se não tivesse a retificação do nome. Seria complicado se, cada vez que eu tivesse que comparecer a uma audiência ou pegar um processo em carga, me chamassem por um nome que não condiz com minha aparência”, desabafa.

Segundo o entendimento do Senado Federal, se o Estado autorizou a mudança cirúrgica e transformou homem em mulher, o Estado também deve permitir a mudança de nome e de sexo no registro de nascimento. A alteraçãono registro ainda pode ser feita em outros casos, como, por exemplo, quando fica evidenciada a exposição da pessoa ao ridículo em decorrência do nome ou homonímia (nome igual ao de outra pessoa).

20ª Parada Livre de Porto Alegre

A Comissão da Diversidade Sexual e Gênero da OAB/RS participa no próximo domingo (13) da Parada Livre de Porto Alegre, a partir das 10h, na Redenção. Na ocasião serão recolhidas assinaturas para o Estatuto da Diversidade Sexual e serão prestadas orientações jurídicas sobre os direitos da população LGBTI.

Segundo o presidente da Comissão, Leonardo Vaz, é importante dar visibilidade para o trabalho da OAB/RS. “A Parada é um espaço de visibilidade para reforçar a luta por reconhecimento dos direitos para este segmento da sociedade que ainda é tão discriminado. A OAB luta pela cidadania, pelos direitos humanos e por políticas públicas que contemple a todos”, ressalta.

Resolução da OAB sobre nome social de travestis e transexuais

O Diário Oficial da União trouxe, no mês de julho, a resolução do Conselho Federal da OAB sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito dos quadros da entidade.

A publicação oficializa decisão tomada pelo Conselho Pleno da Ordem, que aprovou que advogados e advogadas travestis e transexuais possam usar o nome social no registro, inclusive constando nas carteiras de identidade profissional.

“O nome social traz dignidade às colegas e aos colegas travestis e transexuais, o que é fundamental para garantir sua cidadania plena e altivez profissional”, afirmou Cláudio Lamachia, presidente da OAB Nacional.

Segundo o presidente da Ordem gaúcha, Ricardo Breier, a OAB/RS trabalha em busca do respeito e da igualdade. “Abraçamos essa causa importante especialmente para combater todas as formas de preconceito e o discurso do ódio. Lutamos pela completa igualdade de gêneros. Iremos firmar isso no presente para que no futuro possamos ter índices menores de mortes, de violência e de desrespeito,” afirma.

Fonte: OAB/RS