Presidente da OAB defende sanidade moral da cena pública em sessão solene do STF


06.10.16 | Advocacia

Durante sessão solene do Supremo Tribunal Federal (STF) em homenagem aos 28 anos da Constituição Federal, realizada nesta quarta-feira (05), o presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, exaltou o brilhantismo da Carta Magna brasileira e afirmou que a sanidade moral da cena pública deve continuar. O pronunciamento de Lamachia abriu a sessão.

“O Brasil vive um quadro de profunda descrença na política. A palavra e a ação corretiva, notadamente por operações como a Lava Jato, provocam justa expectativa da população quanto ao saneamento moral de sua cena pública. Isso só pode e só deve se dar dentro dos estritos limites da lei, dentro do devido processo legal, com ampla defesa, direito ao contraditório e respeito à presunção de inocência. Transgredir a Constituição, a qualquer pretexto, é um crime à ordem jurídica e ao Estado Democrático de Direito”, afirmou.

O presidente nacional da OAB lamentou ainda que, com preocupante frequência, se pretenda cometer crimes sob pretexto de combater outros crimes. “Do ponto de vista da advocacia, são recorrentes as denúncias de transgressão de suas prerrogativas, que não são suas, mas sobretudo do próprio cidadão representado. Cidadão esse que, seja lá qual for o delito em pauta, tem direito à defesa. Esse é um direito humano fundamental em nossa República. Sendo o advogado essencial à prestação da Justiça por força constitucional, restringir seu trabalho é por si só um descumprimento à própria Constituição”, ressaltou.

Lamachia citou ainda que as transgressões ao exercício profissional da advocacia constituem uma “busca de transmitir à sociedade, principalmente à sua parcela menos informada, a ideia de que advogado e cliente são uma mesma coisa, na tentativa de criminalizar a advocacia e o direito de defesa”. Ele ressaltou, ainda, que a justiça não é um show e não pode ser transformada em espetáculo.

“Se nossa Constituição não tivesse tantos méritos relevantes, não seria a Carta a vigorar por mais tempo no período da democracia republicana brasileira. O excesso de emendas ao seu texto decorre fundamentalmente de uma distorção: cada governo que se estabelece busca adaptá-la a seus programas, quando estes é que deveriam adaptar-se a ela. É imperfeita como toda obra humana, mas é criticada muito mais por suas qualidades do que por seus defeitos. É generosa, com um dos capítulos de direitos sociais mais avançados do mundo”, ponderou.

Lamachia relembrou palavras do constituinte Ulysses Guimarães ao promulgar o texto constitucional, em 1988. Reforçou, ainda, que o Brasil precisa de muitas reformas – econômica, social, de Estado – mas que não surtirão efeitos se os homens públicos não modificarem suas mentalidades. “Precisamos fazê-las, mas sem retrocessos sociais”.

Pronunciamentos

O presidente da República também proferiu breve discurso na sessão solene. Michel Temer lembrou que foi um dos constituintes de 1988. Ele propôs à presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, a construção conjunta com o Judiciário de um novo pacto federativo.

“Apesar de estar expressa na Constituição, a federação não é praticada efetivamente no Brasil, em função da vocalização centralizadora do Estado. É necessário que a harmonia que a Constituição preconiza entre os três poderes seja, de fato, exercida. Por isso Executivo, Judiciário e Legislativo devem andar par e passo do que apregoa o nosso texto maior”, disse Temer, que sugeriu ainda a oficialização do dia 5 de outubro como o Dia da Constituição.

Em nome do Poder Judiciário, o pronunciamento foi do ministro Celso de Mello, decano do STF. “Nosso País rompeu a ordem autocrática imposta por um regime sombrio que havia aniquilado a vida democrática no Brasil, frustrando o sonho de liberdade de toda uma geração. Na qualidade de fiel depositário da preservação da autoridade, cabe ao STF reafirmar o respeito, apreço e lealdade ao texto constitucional, bem como velar pela integridade dos direitos fundamentais, repelir abusos governamentais e fazer cumprir os pactos internacionais de proteção a grupos vulneráveis expostos a práticas discriminatórias. Não há registro de nenhum povo que, sem juízes e tribunais independentes, tenha conseguido preservar os seus direitos e conservar a sua própria liberdade”, enfatizou.

Rodrigo Janot, procurador-geral da República, falou em nome do Ministério Público. “Nossas instituições republicanas permanecem firmes e aptas a exercer a defesa de um dos nossos maiores bens, que é a Constituição Federal. Uma Carta de origem amplamente democrática, [a Carta] traz direitos outrora usurpados de nosso povo, que a ela conferem o epíteto de constituição cidadã”, observou Janot.

Após todos os pronunciamentos, Carmen Lúcia destacou que “os tempos atuais são difíceis para todos, mas que se deve buscar o caminho da Constituição para vencer as desigualdades sociais e regionais e dar dignidade humana aos mais de 200 milhões de brasileiros”. Para ela, é tempo de fazer com que o que foi conquistado no papel seja realmente realizado e garantido por todos como direito fundamental, não apenas nas páginas da Constituição, mas com seu efetivo cumprimento nas ruas.

Leia, abaixo, a íntegra do discurso do presidente Claudio Lamachia na sessão solene do STF em homenagem aos 28 anos da Constituição:

Senhoras e senhores,

É sempre uma honra para a Ordem dos Advogados do Brasil falar no Supremo Tribunal Federal como porta-voz não apenas da advocacia, mas também da cidadania.

Em seu papel institucional, imperativo de seu Estatuto, que é lei federal, obriga-se a defender a Constituição, a democracia, os direitos humanos e a justiça social, postulados que encontram nesta Corte sua mais alta instância de recurso e preservação.

A passagem dos 28 anos de promulgação da Constituição de 1988, neste 5 de outubro, enseja amplas e profundas reflexões sobre o cenário institucional brasileiro contemporâneo.

Desde sua promulgação, a Constituição Federal, batizada de Constituição Cidadã, foi alvo de críticas, que resultaram, nestas quase três décadas de vigência, em um total de 98 emendas a seu texto original. Não obstante, excetuada a Constituição de 1891, que fundou a República, é esta a de mais longa vigência e que tem garantido o mais prolongado período de democracia republicana em nosso País.

Se a Constituição não tivesse méritos, e méritos relevantes, isso não ocorreria. Ouso dizer que, não obstante suas imperfeições, o excesso de emendas decorre fundamentalmente de uma distorção: cada governo que se estabelece busca adaptá-la a seus programas, quando são estes que se devem adaptar a ela.

É uma Constituição imperfeita, sim, como toda obra humana. Mas é criticada mais por suas qualidades que por seus defeitos. É uma Constituição generosa, cujo capítulo dos Direitos e Garantias Individuais é o dos mais avançados do mundo.

Se há necessidade de revê-la e emendá-la – e sabemos que há , ela própria mostra qual o caminho para fazê-lo. Basta seguir o que estabelece o seu artigo 60 e parágrafos.

E aqui lembro, a propósito, palavras de Ulysses Guimarães, no discurso com que a promulgou, em 1988, em nome da Assembleia Nacional Constituinte:

“A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria.”

O País vive hoje um quadro de profunda descrença na política. Todos temos acompanhado isso. A ação corretiva da Operação Lava Jato provoca justa expectativa da população quanto ao saneamento moral de sua cena pública. Isso, no entanto, deve-se dar – e só pode se dar – dentro dos estritos termos da lei, dentro do devido processo legal, com ampla defesa, direito ao contraditório e respeito à presunção de inocência.

Transgredi-la, a qualquer pretexto, é um crime contra a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito – e, tenho dito e repetido, não se pode pretender combater o crime cometendo outro crime.

Infelizmente, isso tem ocorrido com preocupante frequência. Do ponto de vista da advocacia, são recorrentes as denúncias de transgressão às suas prerrogativas, que não são só suas, mas sobretudo do próprio cidadão a quem representamos, que, seja lá qual tenha sido o delito em pauta, tem direito à defesa. Esse é um direito humano fundamental.

Sendo o advogado, por determinação constitucional, “indispensável à administração da Justiça”, como reza o artigo 133 da Constituição, restringir seus direitos é descumpri-la.

Insisto e tenho insistido muito nessa tecla pela constância e gravidade das transgressões, que vão desde a intimidação física até a negação de acesso aos autos, passando pela violação do sigilo entre advogado e seu cliente. Mais que cometê-las, busca-se ainda transmitir à sociedade, sobretudo à sua parcela menos informada, a ideia de que advogado e cliente são uma mesma coisa, na tentativa de criminalizar a advocacia e o direito de defesa.

Defender esses postulados não significa compactuar com os notórios ilícitos que têm vindo à tona. A OAB, ao longo dos seus quase 86 anos de sua história, sempre esteve na linha de frente do combate à corrupção. Esteve, está e estará.

Da mesma forma, apoia a responsabilização penal de quantos estiverem envolvidos nos crimes apurados na Lava Jato ou em qualquer outra operação legal de combate ao crime. Não admite, porém, que a Justiça tenha seus ritos elementares suprimidos e transfigurada num espetáculo midiático. A visão de que a justiça não é show precisa sim ser externada.

Quando se transgride a legalidade, não importa qual seja a causa ou o pretexto, abre-se precedente, que legitimará no futuro tiranias e truculências. E aí é inevitável citar novamente o antológico discurso de promulgação feito por Ulysses Guimarães, quando diz:

“A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam”.

E é de demagogia que estamos falando quando denunciamos os que desafiam o devido processo legal, a pretexto de saciar a fome e sede de justiça da sociedade. Ruy Barbosa, há quase um século, ensinava que “fora da lei não há salvação”. E não há mesmo.

O País precisa de reformas, todos sabemos, na economia, na política, no Estado. Acima de tudo, precisa mudar a mentalidade de seus homens públicos. A crise tem propiciado aprofundar os diagnósticos e indicar algumas dessas mudanças. Precisamos fazê-las, mas sem retrocessos sociais.

Não basta punir, embora seja indispensável fazê-lo, mas é preciso suprimir as lacunas ou ambiguidades legais que favorecem as transgressões. A OAB tem procurado fazer sua parte.

O primeiro turno da eleição municipal deste ano mostra que foi acertada a mudança na regra eleitoral que propusemos a esta Corte, que proibiu doações de empresas a partidos e candidatos.

A redução substancial do custo das campanhas mostrou-se um ganho efetivo para a sociedade brasileira. Sem a pirotecnia do marketing, os candidatos precisaram realçar suas ideias e propostas durante o período de propaganda eleitoral.

Agora, a OAB luta pela aprovação de lei que tipifique o crime de caixa dois de campanha. É preciso cobrar do Congresso celeridade na aprovação de uma lei tão importante. São providências para além das medidas de saneamento moral da vida pública brasileira, que não se esgotam apenas com a punição de transgressores.

Cumprimento esta Suprema Corte pela oportunidade desta celebração, que evoca a redemocratização do País e a superação do arbítrio e da insegurança jurídica.

A Constituição de 1988, com todas as suas limitações, já entrou para a história do Brasil como a que melhor expressa a demanda da sociedade brasileira por direitos individuais e cidadania. Não podemos perder isso de vista e permitir retrocessos.

Muito obrigado.

Fonte: OAB/RS