“Noção de impunidade parece estar ameaçada”, avalia Lamachia ao defender reforma política


31.05.16 | Advocacia

O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, declarou que “o Brasil passa por uma grave crise ética”. Para ele, “o momento é complexo porque, junto com os graves problemas que afligem o País, surge uma oportunidade única de colocar o Brasil em rumos certos”.

Lamachia demonstrou perplexidade ante os áudios de diálogos do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com o ex-presidente José Sarney (1985/1990) e o senador Renan Calheiros (PMDB/AL). Os áudios revelam preocupação de Calheiros, Sarney e Machado com os desdobramentos da Operação Lava Jato. Em um diálogo, o presidente do Senado ataca o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a quem chama de "mau caráter".

“Nos últimos anos, a sociedade começou a ver pessoas poderosas começarem a pagar pelos crimes que cometeram. Agora, com a Lava Jato, nota-se um processo de investigação de desvios que ainda comprometem o sucesso do País”, acrescentou.

O presidente da OAB considera que a noção de impunidade parece estar ameaçada e, por isso, algumas pessoas podem estar incomodadas. “Mas a lei deve valer para todos, seja quem for, não importa o cargo ou função que exerça nem a classe social. Temos que caminhar rumo à aplicação dessa regra: todos são iguais perante a lei”, avaliou.

Lamachia disse ainda que a OAB cobra que as investigações sejam conduzidas dentro do que a lei permite, sem que as autoridades cometam abusos ou violem os direitos das pessoas que são investigadas. “É preciso garantir o acesso à ampla defesa e ao devido processo legal. Grampos em conversas entre advogados e seus clientes são inadmissíveis em um Estado Democrático de Direito. É preciso combater o crime com meios lícitos. Combater o crime praticando outros crimes só vai resultar no desperdício da chance que o Brasil tem de mudar para melhor”, finalizou.

Reforma política é solução

Em recente solenidade de posse do ministro Gilmar Mendes na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, com as presenças do presidente da República interino, Michel Temer, e do presidente do Senado, Renan Calheiros, Lamachia defendeu que a crise política que levou ao processo de impeachment da presidente da República seja usada como uma alavanca para a renovação do modelo eleitoral.

Lamachia fez um discurso contundente em defesa da reforma política. “As eleições municipais deste ano, em meio à crise, são uma oportunidade de proselitismo pedagógico, construtivo. As crises têm esse lado benéfico, quando delas se extraem as lições que encerram. Não podemos ficar apenas com seu lado maléfico. Nesse sentido, a presente crise mais do que nunca precisa ser vista como matriz de renovação”, assegurou.

Durante sua fala, Lamachia fez um diagnóstico do quadro que levou o País ao estado de coisas em que se encontra e não eximiu o sistema político-partidário de sua responsabilidade para o desenrolar da situação. “A primeira lição que extraímos dos acontecimentos que ora nos infelicitam é de que nosso sistema político está na UTI. Doente já estava há muito tempo, mas agora se encontra em estado terminal, a exigir reformas que há muito são proteladas, em nome de interesses menores, que não contemplam o bem comum”, criticou.

Lamachia disse ainda que o Brasil político-partidário carece de representatividade. “A sociedade, em seu conjunto, não se vê nos partidos hoje. Isso explica a mobilização espontânea de multidões a que tivemos oportunidade de assistir, desde 2013, nas ruas de todo o País, sem a interlocução ou mediação dos partidos. Foram essas multidões que levaram à solução do impeachment, não os partidos, que a ela foram levados”, declarou.

Rolo compressor

Outro alvo da análise feita por Lamachia na posse de Mendes foi o papel desempenhado pelo marketing nas campanhas eleitorais. Segundo o presidente nacional da OAB, os horários gratuitos no rádio e na televisão, em vez de serem oportunidade para esclarecimentos ao eleitor, transformaram-se em palco de superproduções caríssimas e hipnóticas, que distanciam o eleitor da realidade, do candidato e dos partidos. “Constrói-se assim o tal abismo entre o País real e o oficial”, disse.

“Vasta parcela do eleitorado carece ainda de meios objetivos para defender-se do rolo compressor e publicitário que tem marcado as sucessivas campanhas eleitorais em nosso País”, disse ele. “Procuramos esclarecer ao eleitor o verdadeiro valor do seu voto. Ele não tem preço, tem consequência. A ética é o pilar da política, para que ela reflita o dito de Aristóteles, segundo quem ‘a política é a mais nobre de todas as artes’. Ética, tal como liberdade, é princípio uno e indivisível. Não há como relativizá-lo, adjetivá-lo ou diluí-lo. Ou se tem ou não se tem”, afirmou.

Num discurso que também teve um caráter propositivo, Lamachia fez uma lista de sugestões de aspectos que devem ser tratados pela sociedade brasileira para enfrentar a questão eleitoral e promover uma evolução no sistema de escolha dos candidatos. De acordo com o presidente, outros desafios nesse debate têm de ser discutidos, como: as fontes de financiamento eleitoral; o barateamento das campanhas, a partir da simplificação e despojamento dos programas de televisão; e o estabelecimento do recall para todos os cargos eletivos.

Ele destacou também o debate pelo fim da reeleição para cargos executivos, a avaliação da conveniência de adoção do voto distrital, puro ou misto, o fim das coligações em eleições proporcionais e a adoção do parlamentarismo ou do presidencialismo mitigado.

Lamachia também foi enfático ao descrever a necessidade de uma reforma política para mudar o modelo político-eleitoral, descrito por ele como “falho, caro e disfuncional”. "Não há, nesses termos, presidencialismo de coalizão, mas de cooptação. A pulverização partidária, além de confundir o eleitor, dá ensejo a conhecidas impropriedades: venda de votos, de tempo de rádio e televisão, de loteamento de cargos públicos, de gasto de verba do fundo partidário, entre outros temas que poderíamos aqui destacar”, disse.

Fonte: OAB/RS