Em entrevista ao ConJur, Lamachia fala dos rumos da gestão frente à OAB


01.03.16 | Advocacia

Confira a entrevista concedida pelo presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, aos repórteres Pedro Canário e Marcelo Galli, publicada na edição de domingo (28) da revista eletrônica Consultor Jurídico.

Em sua posse como presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o advogado Claudio Lamachia falou sobre temas como a CPMF e o combate à corrupção. Tratar de temas mais populares casa bem com sua meta de aumentar o diálogo com a sociedade para explicar e mostrar a importância da advocacia — e do advogado — para a democracia. Ele pretende defender que o respeito às prerrogativas profissionais não são uma demanda da classe, mas uma questão de respeito a uma “sociedade livre, justa, igualitária e democrática”, como diz.

Entre 2013 e 2016, Lamachia foi vice-presidente do Conselho Federal. Antes disso, presidiu a seccional gaúcha por duas vezes, ficando no cargo entre 2007 e 2012. Nesses anos, viu a advocacia entrar num momento delicado. O direito de defesa foi sendo cada vez mais fragilizado em nome de um discurso que clama por punições simbólicas, ao mesmo tempo em que o sistema de Justiça parece ter parado de se preocupar com as prerrogativas dos advogados.

Uma das primeiras providências para a luta que pretende encampar à frente da OAB será aumentar a dose de analgésicos. Ele sofre de enxaquecas e, dois dias depois da cerimônia que celebrou sua posse, já tinha percebido que precisa se preparar para enfrentar muita dor de cabeça nos próximos três anos.

“Muito tempo de avião e poucas horas de sono dão nisso”, comentou, apontando para a cartela de analgésicos em cima da mesa e vislumbrando o futuro de trabalho que o aguarda. Na última quinta-feira (25/2), quando recebeu a revista eletrônica Consultor Jurídico para esta entrevista, Lamachia viajaria para Santa Catarina, para prestigiar a posse da direção da seccional local e conhecer os novos dirigentes.

Ele também pretende iniciar uma campanha pelo aumento do que chama de “capacidade instalada do Poder Judiciário”. “Há hoje inúmeras comarcas sem juízes, sem servidores. É uma vergonha um processo simples demorar um ano para ser consumado”, reclama. “O cliente vai cobrar do advogado pela morosidade, mas a culpa não é do profissional, é do sistema.”

Mas nem tudo são trevas. O novo presidente comemora, por exemplo, a inclusão das demandas da advocacia no novo Código de Processo Civil, como a dilação dos prazos, a fixação de critérios objetivos para os honorários de sucumbência e as férias no fim do ano para os advogados.

Leia a entrevista:

ConJur — Qual que vai ser a prioridade dessa nova gestão?

Claudio Lamachia — No campo corporativo, a defesa das prerrogativas da advocacia. Prerrogativa é absolutamente sagrado; temos que, a cada novo momento, reforçar a nossa atuação nesse sentido. Pretendo fazer uma grande campanha nacional para esclarecer a sociedade sobre a importância do advogado e a necessidade de defender suas prerrogativas. Ainda há muita confusão. Leigos, seja por desconhecimento seja por maldade, acabam diminuindo a estatura do papel do advogado. Temos que mostrar que não teremos uma sociedade livre, justa, igualitária e democrática se as prerrogativas dos advogados não forem respeitadas.

ConJur — O foco vai ser maior em questões da classe, ou vai também se preocupar com questões mais amplas, como direito de defesa?

Lamachia — O foco tem de ser total. Prerrogativa é prerrogativa, tem de ser defendida sempre pela OAB. Na questão dos honorários, que é prerrogativa também, evoluímos muito nos últimos anos. Quando assumi a OAB do Rio Grande do Sul, em 2007, busquei o Legislativo para corrigir alguns problemas históricos que tínhamos na profissão. Propusemos um projeto de lei para acabar com a compensação da verba honorária, prevista no artigo 21 do antigo CPC. Em muitos casos, o advogado acabava recebendo nada, ficando sem remuneração. Esse problema foi corrigido no novo CPC, a partir de uma atuação da OAB, que veda a possibilidade da compensação das verbas honorárias. Tem ainda no novo código a definição em percentuais fechados, objetivos. Consequentemente, a possibilidade de aviltamento das verbas honorárias, que acontecia no passado com muita frequência por causa de alguns magistrados absolutamente equivocados, acabou. Vamos, a partir de março, comemorar o fim do aviltamento da verba honorária.

ConJur — A OAB venceu essa batalha ou ainda há algo a ser feito?

Lamachia — A entidade terá de fiscalizar a aplicação do Código do Processo Civil ao longo dos próximos anos. Não podemos aceitar que magistrado A, B ou C venha a aviltar novamente os honorários. Essa fiscalização é prioridade da gestão. Continuaremos com uma campanha desenvolvida por mim na última gestão cujo slogan é: “Honorários dignos, uma questão de justiça”. Ainda há desrespeito na contratação de honorários contratuais. Outra conquista histórica da advocacia no novo CPC foi a das férias para os advogados, com a suspensão de prazos de 20 de dezembro a 20 de janeiro.

ConJur — Quando Marcus Vinícius Furtado Coêlho assumiu a presidência do Conselho Federal, disse que sua preocupação seria com o "advogado que encosta a barriga no bacão". Ou seja, a administração seria voltada para quem sofre o dia a dia dos cartórios e das causas que não querem ser julgadas. Isso vai mudar?

Lamachia — Não muda nada. Vamos continuar trabalhando ativamente nessa linha. A OAB tem de se preocupar, sim, ativamente com a vida e o dia a dia do advogado. A questão dos precatórios, honorários, prerrogativas são temas do nosso cotidiano, assim como a ausência de prestação jurisdicional, tanto para o advogado que encosta a barriga no balcão como para o que atua nos tribunais superiores.

ConJur — Ganha cada vez mais adeptos o discurso de que o advogado é o responsável por atrapalhar o processo, e aí vemos a confusão do profissional com o cliente. Como o senhor avalia este momento?

Lamachia — Isso é um equívoco absurdo. Como se o advogado fosse responsável pela impunidade, pelo crime, por todas as mazelas do país, pelo processo que não anda etc. Uma das pautas que quero inserir nacionalmente é a da capacidade instalada do Poder Judiciário, que não dá mais conta da demanda. Fala-se em fala de saúde, de educação e segurança, mas se deve falar também que em inúmeras comarcas no Brasil não têm juízes nem servidores. É uma vergonha um processo simples demorar um ano para ser consumado. Foi uma barbaridade o contingenciamento do orçamento da União para todos os tribunais. O Conselho Nacional de Justiça deve prestar atenção nisso.

ConJur — Não é uma questão de eficiência da máquina?

Lamachia — Sem dúvida. O Poder Judiciário precisa também de uma gestão melhor e mais qualificada. Nós, advogados, magistrados e os próprios membros do Ministério Público, não somos treinados e forjados para a administração. Somos quase autodidatas nesse aspecto. Mas há um dado objetivo. Vá à vara de Cacequi, no Rio Grande do Sul, ver quantos juízes existem lá. Não tem nenhum, um juiz substituto de Alegrete vai até lá uma vez a cada 15 dias. Isso não é correto. O advogado não está errado quando reclama que um processo está em uma pilha que vai demorar um, dois anos, para ter um despacho judicial. Em um primeiro momento, o advogado sofre com essa situação porque o cliente vai cobrá-lo pela morosidade. Advogados perdem clientes por causa disso. A culpa não é do profissional, é do sistema. O cidadão também sofre com a morosidade.

ConJur — Qual vai ser a posição da nova gestão quanto às formas extrajudiciais de resolução de conflitos, como arbitragem, mediação e conciliação?

Lamachia — Apoio incondicional. Isso também é um mecanismo novo que temos para combater a morosidade processual. Temos que buscar novos meios de solução de conflitos. A arbitragem, conciliação e mediação estão disponíveis e devem ser incentivados. Notadamente porque a OAB tem incentivado a presença dos advogados nesses três meios, preservando, inclusive, o próprio mercado de trabalho. O advogado não deve ver esse tipo de solução de conflitos como uma forma de redução do seu mercado de trabalho. Deve enxergar mais um nicho de mercado e condição de agir e trabalhar com maior agilidade e celeridade.

ConJur — O seu discurso na cerimônia de posse foi contundente, falou muito em combate à corrupção e citou vários escândalos do governo federal. A OAB deve entrar nesse tipo de discussão?

Lamachia — A OAB tem dois grandes eixos, o corporativo e o institucional. E tem sido chamada como nunca para participar dos debates mais variados na sociedade. Para alguns deles não vamos ter resposta imediata, até mesmo porque o presidente nacional da entidade verbaliza a decisão do Pleno do Conselho Federal. Vamos ter de estabelecer inúmeros debates internos sobre temas que são de relevância para a sociedade.

ConJur — O senhor percebe que as demandas da advocacia e da sociedade, de forma geral, têm convergido mais?

Lamachia — É um fenômeno recente que acho muito bom, porque a sociedade e os advogados estão percebendo que a OAB não é só dos advogados, é da cidadania também. Mostra que a instituição é respeitada e, acima de tudo, aponta que é chamada para o debate, que as pessoas querem saber o que a OAB pensa.

ConJur — Isso quer dizer que a OAB vai engrossar o coro dos acusadores?

Lamachia — Acredito que não, a entidade tem cumprido exatamente o seu papel.

ConJur — Por que, então, pedir o afastamento do deputado Eduardo Cunha, que ainda não tem processo aberto, apenas inquéritos em andamento?

Lamachia — Foi em nome do devido processo legal que pedimos o afastamento do deputado Eduardo Cunha da presidência da Câmara. Ele está interferindo no processo, atrapalhando as investigações.

ConJur — E o senador Delcídio do Amaral, que sequer voltou ao Senado?

Lamachia — Defendemos o afastamento do cargo porque ele estava preso. É um deboche e desrespeito com o cidadão a presença dele no Senado. Não é uma questão de acusar, a OAB não está agindo como acusadora. Está sim examinando uma questão moral e técnica.

ConJur — O que o Conselho Federal vai questionar no Supremo Tribunal Federal na decisão que permitiu a prisão antes do trânsito em julgado?

Lamachia — Será uma ação direta de constitucionalidade porque queremos demonstrar que tanto o artigo 283 do Código de Processo Penal quanto a Constituição têm de ser observados. Ou seja, o cidadão só pode ser preso após o devido processo legal e declarado culpado após o trânsito em julgado da decisão. Apesar de a decisão ter sido em um caso concreto e sem repercussão geral, muitos juízes nos estados estão usando o entendimento como precedente para determinar prisão. Está havendo até antecipação de valores na Justiça do Trabalho com base na decisão do Supremo.

ConJur — O senhor foi bastante contundente também contra a volta da CPMF. A OAB vai questionar os aumentos de impostos?

Lamachia — No dia 2 de março próximo vamos fazer um ato no Conselho Federal contra o aumento da carga tributária e a recriação da CPMF. Não há justiça tributária no Brasil. Toda vez que o governo tem um problema de caixa, busca a solução no bolso do cidadão. Isso não é certo. Fiz a mesma crítica que faço ao governo federal no Rio Grande do Sul quando o governo estadual aumentou o ICMS. Precisamos também debater e revisar o pacto federativo, reavaliando a distribuição do bolo tributário e a redefinição de papéis e obrigações de estados, municípios e União.

Fonte: OAB/RS