Uso do segredo de Justiça ainda tem opiniões divergentes


02.03.09 | Diversos

O poder dado aos juízes de decretar o sigilo completo de processo ou investigação não é novo, remonta à ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), mas seu uso cada vez mais acentuado tem dividido juízes, promotores e advogados.

No STF, o chamado segredo de Justiça foi evocado em 30 dos 105 inquéritos criminais abertos em 2008 (29% do total). Em outras palavras, 1 em cada 4 investigações contra autoridades foi blindada -na prática, os processos deixam de ser públicos e só podem ser consultados pelos investigados.

Em 2007, o percentual de inquéritos em sigilo foi de quase dez pontos a menos: 19,5%. O levantamento, feito pela Folha, considerou apenas as investigações criminais propostas pelo Ministério Público, excluindo aquelas abertas para apurar supostos crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação) e queixas-crimes.

Os números não só apontam maior uso do instrumento como também revelam uma divergência entre os ministros. Enquanto Celso de Mello não recorreu nenhuma vez ao segredo nos dois últimos anos, Ricardo Lewandowski o fez 17 vezes. Em 2008, 9 dos 10 inquéritos relatados por Lewandowski estavam sob sigilo.

O ministro Marco Aurélio Mello criticou duramente o uso indiscriminado do segredo de Justiça. "(O uso sem justificativa do sigilo) é um ranço de uma época da qual não temos saudade. É uma visão míope, retrógrada. A regra deve ser a publicidade", disse.

São investigados em inquéritos sob sigilo, entre outros, os senadores Edison Lobão Filho (PMDB-MA) e Marconi Perillo (PSDB-GO). Também fazem parte da lista os deputados federais Jader Barbalho (PMDB-PA) e Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho.

Não existe regulamentação para o uso do segredo de Justiça. As leis que tratam do tema dizem, em resumo, que ele só pode ser decretado em dois casos excepcionais previstos: 1) quando há risco de exposição pública de questões privadas do investigado ou réu, como relacionamentos amorosos e doenças; 2) quando o processo contém documentos sigilosos, como extratos bancários ou escutas telefônicas.

Para o presidente nacional da OAB, Cezar Britto, a regra geral da publicidade vem sendo quebrada, especialmente nos processos que envolvem recursos públicos. "Os processos devem ser públicos, são de interesse público. A excepcionalidade tem que ser muito bem fundamentada (para decretar o sigilo). Essa decisão hoje tem ficado no campo do subjetivismo", afirmou.

A OAB, instigada pelo criminalista Alberto Toron, enviou ao Supremo proposta de súmula vinculante - instrumento pelo qual os ministros consolidam o entendimento sobre um tema, que deve ser aplicado por todos os juízes- para que o tribunal se posicione oficialmente. Um dos objetivos da entidade é impedir que advogados de réus continuem a ser impedidos de ter acesso aos processos sob segredo de Justiça. "O sigilo se tornou instrumento contra a defesa dos réus. Hoje os dados sigilosos são vazados para a imprensa, e o advogado é sempre o último a saber", disse Toron.




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Fonte: Folha de S. Paulo