O Laboratório Schering do Brasil Química e Farmacêutica deverá pagar indenização no valor de R$ 70 mil, por danos morais, a uma consumidora que engravidou utilizando o anticoncepcional Microvlar, conhecido como “pílula de farinha”. O caso aconteceu em 1998, quando um lote de pílulas produzido para realização de testes em uma máquina embaladora chegou ao mercado.
A autora da ação relatou que utilizava o comprimido da marca desde 1984, sem nunca ter tido qualquer problema, porém, em março de 1998, foi surpreendida por uma gravidez inesperada. Após ser informada através da imprensa sobre a fabricação das pilulas inativas, ela entrou com ação por danos morais contra a empresa.
Esta teve o seu pedido negado em um primeiro momento por não ter apresentado a cartela do anticoncepcional sem princípio ativo, prova entendida como fundamental no caso. Ao apelar da sentença junto ao TJSP, a consumidora entendeu que a apresentação da cartela consumida do produto adulterado não era essencial, pois é normal que as pessoas se desfaçam delas após o uso, existindo prova suficiente da utilização regular do medicamento por parte da autora há muitos anos.
Para o TJSP, a concepção ocorreu justamente na época do vazamento dos “placebos” e na cidade de Mauá, local onde vivia a mulher e onde se deu o maior foco de denúncias a respeito do problema. No mesmo sentido, a ausência de lotes de teste na listagem de compra de medicamentos da farmácia, da qual a consumidora teria adquirido o produto, não afasta a responsabilidade da empresa, pois esta foi negligente. Além da indenização, o TJSP obrigou a empresa a pagar uma pensão mensal à criança até os 21 anos.
Em sua defesa a Schering do Brasil alegou que a produção das pilulas de teste foi realizada sob total controle da empresa, e que todos os comprimidos deveriam ter sido incinerados. De modo que a única forma de o produto entrar no mercado foi por um ato criminoso atribuido a terceiros.
Após perder na segunda instância, a Schering do Brasil recorreu ao STJ, sustentando que a consumidora não demonstrou ter posse de caixa de medicamento adulterado e que a listagem de produtos adquiridos pela farmácia apontada como intermediária na compra não indica o repasse pela empresa de produto defeituoso. Além disso, nenhum anticoncepcional tem eficácia absoluta, de forma que não está excluída a hipótese de gravidez mesmo com o uso adequado do produto ativo. Por fim, argumentou que o nascimento de uma criança, ainda que não tenha sido programado, não gera dano moral e que a compensação destes, de qualquer sorte, foi fixada em valor absurdo.
Porém, a 3ª Turma do STJ não atendeu ao pedido de recurso da empresa, mantendo a decisão do TJSP, entendo que ela foi negligente no descarte dos materiais.
Ao analisar a questão, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que não se trata de atribuir equivocadamente o ônus da prova a uma das partes, mas sim de interpretar as normas processuais em consonância com os princípios de direito material aplicáveis à espécie. A decisão do tribunal de origem partiu das provas existentes para concluir em um certo sentido, privilegiando, com isso, o princípio da proteção ao consumidor.
A ministra ressaltou, ainda, que o dever de compensar danos morais não fica afastado com a alegação de que a gravidez resultante da ineficácia do anticoncepcional trouxe, necessariamente, sentimentos positivos pelo surgimento de uma nova vida, porque o objeto dos autos não é discutir o dom da maternidade. Ao contrário, o produto em questão é um anticoncepcional, cuja única utilidade é evitar uma gravidez. Segundo ela, a mulher que toma tal medicamento tem a intenção de utilizá-lo como meio a possibilitar sua escolha quanto ao momento de ter filhos e a falha do remédio, ao frustrar a opção da mulher, dá ensejo à obrigação de compensação pelos danos morais.
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Fonte: STJ